A espada brilhou à luz da lua
A espada parecia uma lenda. Pendurada na parede como decoração encantava filhos e netos de Cristiano Cartaxo com histórias contadas pelos mais velhos. Era uma espada velha, feia, curvada, sem brilho, já um pouco amassada, muito diferente da outra pertencente a José Rafael, garboso tenente da reserva do glorioso Exército brasileiro, conquistada em plena Segunda Guerra Mundial. Esta espada vivia guardada numa capa e reluzia, tanto a bainha como a lâmina. Nova e bela. A outra, não. Era velha e fosca. Mas havia uma diferença fundamental: a espada do major Higino Rolim tinha história. Aliás, muitas histórias, a começar pelo timbre de Sua Alteza, dom Pedro II.
Conta-se ter sido usada na Guerra do Paraguai (1864-1870) por um parente distante. Para provar sua serventia patriótica os mais velhos apontavam manchas na lâmina e diziam ser resquício de sangue. De sangue paraguaio… é claro. (Hoje, penso que eram manchas de uísque importado do Paraguai…). Mas naquele tempo, eu acreditava piamente. E, cheio de patriotismo, vendia aquela lenda aos meus colegas de infância! Outra versão é mais verossímil. A espada pertenceu a meu avô, Higino Gonçalves Sobreira Rolim, e teria sido comprada na mesma transação que lhe permitiu ostentar os galões de major da Guarda Nacional, no final do século 19, quando aquela instituição já deixara de ser a Milícia Cidadã e se avacalhara a serviço de chefes políticos locais. Tal o caso de meu avô, um cidadão ligado ao Partido Liberal, no tempo do imperador Pedro II, e, na Primeira República, à facção partidária chefiada por Epitácio Pessoa, o maior oligarca da Paraíba.
De todas as histórias em torno da espada famosa, existe uma muito interessante. Nem é tão velha como as outras e traz à cena duas figuras conhecidíssimas em seu tempo: Joaquim Sobreira Cartaxo (Marechal) e Romeu Menandro Cruz. Ambos foram auxiliares do major Higino na antiga Farmácia Central, autorizada a funcionar pelo imperador Pedro II, em 1875. Os dois rapazes tinham fama de valente. E não só a fama. Marechal carregava o mistério de ter assassinado um soldado da polícia e Romeu foi um homem disposto, corajoso. Um homem com H, descrito na música de João do Vale, que, modernamente, Ney Matogrosso assumiu com perfeição vocal.
Pois bem, no começo do século 20, o quente em Cajazeiras eram os sambas nos sítios. Cachaça, quinado, vermute, conhaque de mistura com som a animar o rela-bucho debaixo da latada, a poeira feito redemoinho… Numa noite de lua cheia, Marechal resolveu ir para o samba de espada na cintura. E lá foi ele dançar, garboso, aquela marmota a balançar no meio do salão, sem escolher pernas, braço ou bunda de dama ou dançarino… Chega, gritou alguém. Aí, um grupo de bêbados decidiu acabar com a presepada de Marechal. Avançaram em cima dele, que não teve outra saída: correu na direção da copoeira de algodão e a turma atrás, pega, pega, toma essa peixeira de merda, pega esse safado, pega…
De longe, só se via a espada brilhando à luz da lua da cheia!
Ouvi de meu pai essa história narrada muitas vezes, ele rindo à beça da travessura do filho do seu irmão unilateral Joaquim Antônio do Couto Cartaxo. Tantino, porém, conta outra versão para o final do episódio. Diz ele que tomaram a espada de Marechal e, no dia seguinte, foram entregar a seu legítimo dono, o major Higino, dizendo-lhe que Marechal a havia esquecido na casa do compadre…
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