A banalidade da violência
A cena parece banal e corriqueira.
Restaurante, horário de almoço.
Uma família típica de nossos tempos.
Os pais, com seus três filhos, dois meninos e uma menina, com idade variando entre seis e nove anos, aguardam o pedido. As crianças, cada uma em seu próprio mundo de celulares e individualismos, dividem a cena com os pais, igualmente imersos em seus mundos virtuais.
De repente, um grupo de policiais militares, fardados e portando suas armas, algumas de grosso calibre, ocupam, para almoçar, a mesa vizinha a da família. Os meninos entram em reboliços, excitados, com a presença dos policiais, mas, sobretudo, das armas que ostentam. Ato contínuo, ao lado dos policiais fazendo poses para as câmaras fotográficas dos celulares paternos, os meninos ensaiam fotografias múltiplas. Os policiais, em algumas cenas, improvisam armas empunhadas e engatilhadas como se em uso estivessem. E as crianças, na agitação do cenário, revelam o êxtase do momento.
A menina continua na vigilante posição de invisível assistente, sentada na cadeira do restaurante.
Aos poucos, a família se recompõe em torno da mesa e os celulares e, inevitavelmente, a série de fotos, passam a ser o assunto dominante. Os meninos, exultantes, agitam-se mostrando os seus feitos. Os pais, em êxtase, dividem cada imagem como troféus a serem reverenciados em altares.
A menina, acanhada, olha, de soslaio, para todos como se estrangeira fosse.
A cena seguinte me conduz ao Atlas da Violência 2019, que publiciza os dados da violência em nosso país, no ano de 2017. Este foi o último ano de realização deste levantamento e o documento revela que o país atingiu “pela primeira vez em sua história, o patamar de 31,6 homicídios por 100 mil habitantes. A taxa, registrada em 2017, corresponde a 65.602 homicídios naquele ano e revela a premência de ações efetivas para reverter o aumento da violência”.
E quem são essas vítimas?
“Homem jovem, solteiro, negro, com até sete anos de estudo e que esteja na rua nos meses mais quentes do ano entre 18h e 22h. Os homicídios respondem por 59,1% dos óbitos de homens entre 15 a 19 anos no país”.
O Atlas escancara ainda o crescimento dos homicídios de mulheres, “chegando a 13 por dia. Ao todo, 4.936 mulheres foram mortas, o maior número registrado desde 2007 – 66% delas eram negras”.
E onde estavam os negros na cena do restaurante?
Ora, a quase totalidade estava na invisibilidade das cozinhas, caixas, seguranças, limpeza.
E as mulheres?
Como a menina, da família branca que apoia e aplaude os filhos se fotografarem ao lado dos policiais armados, estão acanhadas em suas subalternidades, aceitando a “naturalidade” do mundo masculino.
PS: Policiais, mesmo em escala de trabalho, em seus horários de almoço, carecem estar em restaurante ostentando agressivamente, o armamento, com o risco de acidentes?
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
Leia mais notícias no www.diariodosertao.com.br/colunistas, siga nas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram e veja nossos vídeos no Play Diário. Envie informações à Redação pelo WhatsApp (83) 99157-2802.
Deixe seu comentário