50 anos do golpe de 1964 (final)
Subversão e corrupção. Duas palavras repetidas à exaustão antes e depois do golpe. Em torno delas girou o movimento destinado a desalojar do poder as forças de centro-esquerda, abrigadas na coalizão partidária que ia do velho PSD aos comunistas. Essas forças foram hegemônicas de 1950 e 1964, salvo pequenas interrupções, como nos oito meses de Jânio Quadros. O suicídio de Vargas em 1954 ajudou a rearticular as correntes de esquerda, em meio à radicalização ideológica inerente à “guerra fria”. Fidel Castro e Che Guevara ensaiavam “exportar” para a América Latina a experiência guerrilheira bem sucedida em Cuba, nas barbas dos americanos.
Nesse clima, era fácil vender a ideia de que o Brasil marchava para a “cubanização” e tornar-se um país comunista. Ou, no mínimo, afastar-se da órbita americana. A palavra “subversão” representava o pilar ideológico que sustentava a mobilização dos brasileiros contra o governo de João Goulart, o vice-presidente que assumira em 1961. Jango quase foi impedido de tomar posse, após a surpreendente renúncia de Jânio. Mas o povo saiu às ruas em defesa da legalidade, sob o comando de Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, e exigiu o cumprimento da Constituição. A elite conciliou, aprovando às pressas o parlamentarismo de meia tigela.
O outro pilar do golpe era a luta contra a corrupção, uma bandeira defendida pela UDN, verbalizada pelo vozeirão de Carlos Lacerda, a denunciar o “mar de lama” desde o governo de Vargas. Um hipócrita apelo ético, ingrediente em torno do qual era fácil reunir empresários corruptores, políticos, carolas, segmentos da classe média sempre sensível a essa bandeira.
Estas duas palavras de ordem – corrupção e subversão – bem trabalhadas pela mídia convergiram para grandes manifestações de rua destinadas a defender o Brasil das garras do demônio, representado pelo “governo comuno-trabalhista” de Jango. Estancieiro gaúcho, que crescera à sombra da lealdade a Vargas, sem grande brilho pessoal, Goulart carregava o estigma de gestor fraco, indeciso. Em março, ele radicalizou o discurso, insuflado por grupos sociais organizados em sindicatos, associações, no clandestino Partido Comunista Brasileiro, de Carlos Prestes, ainda com larga popularidade. Em atos públicos, Jango assinou decretos alinhados às “reformas de base”, plataforma de luta que empolgava as esquerdas. Jango aproximou-se do “baixo clero” das forças armadas, sargentos, cabos e saldados, irritando a oficialidade, temerosa da quebra da hierarquia militar.
Pronto. Estava formado o cenário interno para derrubar Jango. Os Estados Unidos garantiriam o flanco externo até com intervenção militar, se necessário. Faltava o apoio da população, uma constante na rotina de golpes de estado na América Latina. Esse apoio se concretizou com a decisiva participação dos católicos nas mobilizações de rua, conhecidas com a “marcha da família com Deus pela liberdade”. O terço nas mãos para espantar o comunismo. Símbolo dessa faceta do golpe foi a justificativa dada pelo oficial que prendeu, em 5 de abril de 1964, Virgildásio Sena, prefeito de Salvador: “o senhor está preso porque somos cristãos”. E o combate à subversão e à corrupção? Concentrou-se nas punições políticas, na perda dos direitos políticos, nas cassações de mandatos, cerceamento das liberdades políticas e individuais, na censura, nas prisões, tortura e mortes. Enfim, uma mancha cinzenta na história do Brasil.
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