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‘Seca verde’ marca quinto ano seguido de estiagem severa no vizinho estado do RN

Fenômeno é caracterizado pela vegetação exuberante apesar da pouca água.

Por Campelo Sousa

19/07/2016 às 14h18

Do alto do trapiche, antes usado para mergulhos, a visão que se tem agora é a do poço que a prefeitura abriu no fundo do Açude da Tesoura (Foto: Anderson Barbosa e Fred Carvalho/G1)

Na música ‘Seca Verde’, de Dedé Badaró, os cantores Zezé Di Camargo e Luciano definem bem o momento pelo qual passa o sertanejo potiguar: “Nessa seca verde mora um povo nobre, morrendo de sede nessa guerra pobre”. Comum no semiárido nordestino, a seca verde caracteriza-se pela exuberância da vegetação em meio a um longo período sem água. Hoje, o fenômeno é o retrato do quinto ano seguido da mais severa estiagem da história do Rio Grande do Norte.

Desde 2011 que o homem do campo sofre com a falta de boas precipitações no interior do estado. As chuvas que caíram no início do ano transformaram o cenário acinzentado em verde, mas o que veio do céu não foi suficiente para encher os reservatórios. Resultado: no final de junho, o Ministério da Integração Nacional reconheceu a situação de emergência decretada pelo governo estadual.

Lata d’água
Entre os dias 3 e 6 deste mês, o G1 foi a 11 cidades do interior potiguar para a ver de perto como o sertanejo, animais e também a vegetação do semiárido vêm resistindo à falta d’água. Em cinco municípios visitados – que atualmente enfrentam colapso no abastecimento – moradores fizeram da busca pelo precioso líquido uma rotina diária.

Aposentado, Jadismar Bento tem 68 anos e mora em Rafael Fernandes. Os efeitos da seca ele sente no bolso. “Todas as manhãs, bem cedo, vou pra rua pegar água no chafariz da prefeitura. Venho pra casa, me sento na calçada, e ligo a bomba para fazer a água subir até a caixa instalada no telhado. Demora mais de meia hora. Faço isso há um ano, que foi quando a água acabou aqui na cidade. Antes, eu pagava R$ 110 de energia, mas agora minha conta está dando mais de R$ 160”, disse.

Paulina Ferreira, de 88 anos, mora na comunidade de Mareta, na zona rural de Rafael Fernandes, no Oeste potiguar. A aposentada não vê a hora de a seca acabar. Para ela, esta é a pior estiagem

Na comunidade da Mareta, na zona rural do município, a situação é semelhante. Paulina Ferreira tem 88 anos. Também aposentada, ela disse que não precisa sair de casa para buscar água porque tem uma cisterna que é abastecida por caminhões-pipa. Mas, como a água que é trazida pelo Exército não serve para beber, ela precisa gastar com galões de água mineral. “A água que chegava pelas torneiras era boa e eu bebia dela. A que vem de caminhão só presta pra cozinhar, tomar banho e lavar roupa”, reclamou.

A idosa disse ainda que não vê a hora de a seca acabar. Para ela, esta é a pior estiagem já vista na região. “Um sofrimento sem fim. Sem água a gente perde a vontade de fazer as coisas. É muito triste”, ressaltou.

Em Francisco Dantas, a agonia não é medida apenas pela distância que se percorre ou em quantas viagens é preciso dar para se conseguir água, mas também na qualidade dela. “A água que nós temos é de graça, mas é amarelada e fedorenta. Pra beber não dá. Serve só pra cuidar das coisas de casa”, afirmou o aposentado Francisco Fagundes. Com 66 anos, ele caminha quase 1 quilômetro para chegar até o chafariz público mais próximo de onde mora. “Esse mesmo caminho faço umas dez vezes por dia. É difícil, muito difícil”, acrescentou o agricultor.

A água amarelada que jorra dos chafarizes da cidade tem uma explicação: é barrenta por conta da lama que fica no fundo do poço escavado no leito do Açude da Tesoura. O reservatório secou faz três meses, levou a empresa que abastece a cidade a suspender a cobrança e deixou um prejuízo danado para o comerciante Aldizio Costa, dono do Balneário Pingo D’água. “O nome não poderia ser mais sugestivo neste momento. Afinal, não tem um pingo d’água mesmo”, lamentou.

Fim da trilha
A falta de chuvas na região Oeste também castiga os que moram mais perto do céu. Em Martins, cidade serrana acostumada a receber visitantes de todos os cantos, a estiagem também trouxe transtornos e preocupação. Quem vive do turismo que o diga. “Nunca que nós pensávamos em sofrer com a seca desse jeito. Está prejudicando meu trabalho”, reclamou o guia turístico Alex Nogueira, de 21 anos.

Alex começou a fazer passeios pelas trilhas da serra de Martins ainda adolescente, quando havia água em abundância descendo pela montanha.

Era tanta água que fez surgir a Cachoeira da Umarizeira. Do alto da serra até a queda d’água, que tem uns três metros de altura, são quase 30 minutos de caminhada. Para chegar lá, é preciso passar por uma área de mata fechada.

A trilha é estreita e requer equilíbrio e bastante esforço físico. “A gente sua bastante no caminho, mas a recompensa é a melhor parte. A água gelada refresca até a alma”, recordou. Contudo, sem a chuva para alimentar os córregos e riachos da região, a queda d’água deixou de existir.

“Sem água, quase ninguém se interessa pela cachoeira. Ainda faço passeios para outros lugares. Tem um roteiro histórico, que passa pelo museu da cidade, e tem a Casa de Pedra, um local que tem cavernas que ainda dá pra levar os visitantes. Mas, para a cachoeira, que era o passeio mais procurado, eu nem indico mais”, afirmou.

“Nos tempos bons, eu fazia até quatro trilhas para a cachoeira por dia. Cada passeio custava até R$ 150 por grupo. Agora, não faço nem dois por semana”, revelou Alex.

Comércio da seca
O olhar do agricultor Francisco Cosme da Silva, de 67 anos, deixa evidente a frustração com outra colheita perdida. As espigas de milho estão definhadas, ressecadas e com poucos grãos. Enquanto a chuva não chega, o sol castiga e leva embora a economia de meses. O que resta da aposentadoria, é pouco para continuar. Mas é preciso.

“Sou sertanejo. Não vou desistir. Tenho que seguir em frente”. As palavras, que demonstram a persistência do nordestino, são do ‘Velho Chico’, como o idoso é carinhosamente chamado no Sítio Arrojado. A pequena comunidade fica no município de Frutuoso Gomes, onde a estiagem também não perdoa.

Francisco disse que plantou também sementes de feijão, batata doce e jerimum. “No começo do ano eu me animei. Caiu uma água só da boa e eu corri logo pro roçado. Só que a chuva acabou cedo demais. O que caiu não deu pra nada e eu perdi toda a lavoura. Só está dando capim, que serve de comida para os animais. Mas, se não voltar a chover, vai secar também.”

Francisco de Assis Carlos tornou-se comerciante. Ele vende água de porta em porta com um caminhão adaptado para carregar até 2 mil litros (Foto: Anderson Barbosa e Fred Carvalho/G1)
Mas, também há quem lucre com a falta d’água, como o autônomo Francisco de Assis Carlos, de 40 anos, que mora na área urbana de Frutuoso Gomes. ‘Pau para toda obra’, ele passou a se dedicar exclusivamente ao mercado da seca.

Sobre a carroceria de um velho caminhão, ele adaptou dois reservatórios de mil litros cada e saiu pela cidade vendendo água de porta em porta. “É só ligar que eu vou. Trabalho de domingo a domingo se for preciso. E até agora tem dado certo. Compro os 2 mil litros a R$ 8 em um poço particular e vendo a R$ 40. Faço de seis a oito entregas por dia. Descontando o combustível, fico com R$ 700 livres por mês”, contou.

Rede paralela
A água que abastece Almino Afonso vem do açude Lauro Maia, localizado no próprio município. Em dezembro do ano passado, já praticamente seco e com a água imprestável, não restou outra coisa para a Companhia de Águas e Esgotos do RN fazer senão suspender o fornecimento à população. E assim foi feito. Contudo, alguns moradores da cidade descobriram que existe bastante água no subsolo e estão se aproveitando disso. Lá, o negócio é vender água encanada. E tem gente se dando bem.

Pelo menos 12 pessoas acharam água em suas terras e montaram verdadeiras redes de distribuição. O G1 conversou com algumas, e elas garantem que pelos menos 90% das casas e estabelecimentos da cidade aderiram a estas redes independentes.

“A água não é potável, mesmo assim ainda é melhor ter como lavar roupas, cozinhar e tomar banho do que não ter água nenhuma pra usar”, observou um dos proprietários dos poços. Com um copo de vidro, o comerciante fez questão de mostrar que a água é limpa. “Só não dá pra beber porque é um pouco salgada. Mas, querendo beber, pode beber”, emendou.

Com relação aos poços perfurados em cidades em colapso, a Caern informou que os mesmos não integram o sistema da empresa e que, quando a cidade está em colapso, é porque a companhia já esgotou as possibilidades de abastecimento. “Os poços mencionados devem ter baixa vazão, não sendo viável para o abastecimento e possivelmente apresentam água fora dos padrões”, destacou.

Quem não está preocupado se a água é fornecida de forma legal ou irregular é o servidor público estadual Fracinilson Nunes, de 52 anos. “Instalei o sistema para um desses poços faz quatro meses. É melhor do que ir pegar nos chafarizes da prefeitura. Os canos custaram R$ 120. Agora, é só pagar a mensalidade de R$ 50 e aproveitar a água que vem direto para as nossas torneiras”, celebrou.

Chuvas normais em 2017
O homem do campo pode ficar otimista para 2017? Segundo a Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (Emparn), órgão responsável pelas previsões climáticas no estado, a resposta é sim.

Meteorologista da Emparn, Gilmar Bistrot explicou que até o final de 2016 as chuvas continuarão abaixo do normal no litoral. “Em junho, por exemplo, o acumulado foi de 100 milímetros, muito pouco para o período. E isso se repetirá agora em julho, deixando o tempo bastante seco. Já para o interior, cuja seca já está confirmada mesmo, a esperança é mesmo para 2017. O tempo deve começar a melhor ainda em dezembro deste ano, tendo a situação das chuvas normalizada durante todo o ano que vem”, afirmou Bistrot.

O RN possui dois calendários pluviométricos bem distintos. Um deles envolve o litoral Leste, cujo período chuvoso começa em maio e se estende até meados de setembro. Toda a Grande Natal está nesta área. Já para o semiárido, território que compreende até 97% dos municípios, o período chuvoso é mais curto. Começa ainda no final de dezembro, chega até o início de janeiro e logo é interrompido. Depois, as precipitações voltam no final de fevereiro e seguem até meados de março. É assim todos os anos.

“O problema é quando as chuvas ficam abaixo da média, o que vem acontecendo há cinco anos”, ressalta Mairton França, secretário estadual do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos. “Desde que passamos a monitorar as chuvas, há 450 anos, o estado já enfrentou 116 períodos de longas estiagens. Não estamos vivendo a mais longa, mas certamente é a mais severa.”

G1

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