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Mariana Moreira

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Xãe, o passarim!

10/04/2021 às 13h02

Coluna de Mariana Moreira (Foto: Reprodução/internet).

Por Mariana Moreira

Ele faz parte de minhas mais longínquas memórias. Neto de Mãe Joana, a parteira que trouxe ao mundo várias gerações, foi amigo de infância de meus pais. Na escola de Mariá Moreira dividiu a improvisada sala de aula na casa da mestra com minha mãe e tantos outros meninos e meninas do Cipó, dos Monteiros, do Bom Jardim, de Impueiras.

Sempre chegava lá em casa, onde, com frequência, empreitava serviços de roço, limpa, arranca de toco, com seu jeito tranquilo e a infalível solicitação de um lanche de coalhada com farinha e rapadura e o inseparável café. A fala mansa, pausada, quase sussurrada. O andar lento de pernas cambotas. O olhar miúdo a enxergar distâncias.

Como pequeno agricultor, desde cedo desenvolve a habilidade de aproveitar os menores espaços como campo de plantio. Assim, monturos, oitões de casa, logo nas primeiras chuvas, se convertiam em diversificado roçado onde brotavam touceiras de milho, gergelim, cana de açúcar. Onde enramavam e se espraiavam covas de feijão, pepino, jerimum, por entre pés de goiabeira e moitas de capim mimoso, necessário para a ração do jumento que lhe servia de ferramenta de trabalho, mas, sobretudo, de pariceiro em suas andanças e lidas.

Em muitas manhãs éramos agraciados, em Impueiras, com sua amável e gentil presença, que sempre chegava com um feixe de cana de açúcar, um pepino transbordando o seu prazeroso cheiro como a antecipar a delícia da degustação, um cozido de feijão verde, um mólho de coentro. Afagos naturais de sua índole. E, em retribuição, apenas uma xícara de nata para o tempero do rubacão, a ser servido com toucinho torrado.

E, na solidão da pandemia me chega a notícia de sua morte. Numa manhã de abril seu corpo mansamente tomba ao chão, sem vida, enquanto, teimosamente, ainda insistia em trabalhar, limpando, a mão, algumas covas de milho e feijão que enfeitavam o oitão da casa. No galho rejuvenescido de uma jurema esverdeada pelas chuvas, uma rolinha fogo pagou lança um canto, seguida de bem-te-vis e sabiás. Um breve e melancólico coral de natureza como a celebrar o fim da vida de quem, em vida, foi apenas e somente mais um dos seus integrantes. Ao longe, o relincho de um jumento marca as horas da partida. Seu corpo, sem vida mistura-se a terra sertaneja.

Chamava-se Jonas Monteiro. Mas ninguém o conhecia assim. Para todos era apenas e somente Xãe, filho de Joca Monteiro. Para mim, também continuarei a tê-lo sempre em minhas memórias e saudades como Xãe. Afinal, Xãe lembra mais passarim!


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

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