Vestígios de memória
Em tom de brincadeira, como para aliviar a tristeza que o momento encerra, ele afirma: – Moreira só se encontra em velórios. O momento era de saudade pela partida de Dona Marcinha, que nos deixava aos 94 anos de idade e a afirmação de meu perimo Benedito de Tio Hilário se confirma quando, ao deixar o velório, acompanhado de minha mãe, Dona Betina, somos abordadas por José Vianei, filho caçula de Mariá Moreira, e que dividiu comigo os bancos escolares da Escola de Dona Lourdinha, no Grupo Escolar Lindalva Claudino, no Distrito de Fátima.
A alegria do reencontro, após quarenta anos, tempo em que ele construiu sua vida pelas bandas de São Paulo, não foi suficiente para apagar as marcas que o tempo imprimiu em nossos corpos. Cabelos grisalhos, ou escassos pela calvície. Corpos não mais ágeis e serelepes dos tempos de infância. Olhos que não mais escondem os sonhos construídos em tantos devaneios, revelando muito mais as vivências e experiências que a vida imprimiu ao longo do tempo. Mas o reencontro também reavivou antigas lembranças.
Vieram-me com a nitidez embaçada de um antigo filme em preto e branco as memórias de colegas de turma: minha irmã Auxiliadora, Ronaldo, neto de Dona Mariá e sobrinho de José Vianei, Romisira e Inha de Zé Morais, Teresa e Salete de Seu Lourival, Natanael e Norma Lúcia, filhos do segundo casamento de meu avô Papai Manoel, Eudes de Zé Francisco, o filho de seu Laudimiro, cujo nome se esvaiu no tempo, Genival Monteiro, filho de Frutuoso e Maria de Lourdes e nosso colega de caminhada pelas tortuosas e estreitas ladeiras de Impueiras e Cipó. E tantos outros nomes que o tempo foi esfumaçando na memória, mas que entram na composição das lembranças das aulas ministradas no intervalo entre a manhã e a tarde. Das brincadeiras de mata-mata e barra bandeiras desfrutadas nas calçadas da Igreja de Fátima, nos intervalos do recreio. Do rigor e disciplina que Dona Lourdinha tentava impor ao um bando de pré adolescentes que nasceram e viviam na zona rural experienciando as aventuras e desventuras de uma idade.
Lembranças tantas motivadas pelo encontro com José Vianei me embargaram a alma e nos olhos algumas lágrimas assinalaram um tempo que já é passado. A nitidez da aventura de passar correndo sobre as estreitas varandas da ponte de alvenaria construída pelos cassacos da seca de 1932, desafiando as leis do equilíbrio e alimentando a convicção de que o mundo era nosso, mesmo que limitado entre as fronteiras da Serra da Taboca e do Serrote do Quati.
Um tempo em que pouco ou quase nenhuma importância tinha os arranhões e ferimentos nas pernas e braços provocados pelas constantes quedas nos caminhos pedregosos e íngremes da escola. Tudo era compensado pelo deleite de saber quem era o que maior destreza revelava nas brincadeiras de bicheira, quem tinha mais habilidade para a corrida e que não ficava com a sina do toca suspensa para o dia seguinte. Uma inocência em que os nossos heróis ainda eram nossos pais ou os aventureiros que nos eram relatados nas conversas de boca de noite onde a façanha de cangaceiros, as histórias de almas penadas e visagens construíam e fertilizavam a imaginação.
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