Uma algazarra de vida

Por Mariana Moreira – A algazarra de gritos e vozes misturadas atrai a atenção para um grupo de garotos que, aproveitando a tranquilidade da rua e os espaços livres de alguns terrenos baldios, dedica-se as aventuras de soltar pipas e lançar os desafios de quem, com maior destreza, consegue enlaçar e imobilizar a pipa adversária. E, na imensidão do azul céu sertanejo, dividindo e disputando espaço com potes e fiação elétrica, as pipas tremulam enfeitando o espaço com suas cores misturadas e suas rabiolas oscilantes como cordéis a dar movimento ao infinito.
O tempo parece transcorrer no ritmo das habilidades de cada garoto. Os gritos e vozes não apenas remetem ao ato de soltar e manusear as pipas. Mas atualizam outras aventuras, falam de episódios escolares, de vivências familiares e, sobretudo, de sonhos e desejos de mundos.
Um automóvel percorre a rua e força o grupo a se concentrar em uma ponta de meio fio. O condutor, como a atualizar sua época de infância e adolescência, reduz a velocidade e desvia a atenção, embevecido pelas piruetas que as pipas desenham no céu. É possível notar em seu olhar, mesmo distante, lembranças e peripécias de um menino de ontem que, certamente, participou de desafios de pipas, brincou de fazendeiro com bois de ossos, desenhou em sonhos e devaneios, um mundo onde as disputas fossem somente estímulos para as brincadeiras.
O carro passa e, o grupo se rearticula nos novos desafios. As pipas são tangidas pelo vento quente que sopra no fim de tarde sertanejo. No poente, um sol avermelhado timidamente se esconde por trás da paisagem molhada pelas águas do Açude Grande. As primeiras lâmpadas são acesas nos postes. O dia se despede e o grupo de meninos começa a se desfazer. Habilmente, cada um vai enrolando o cordão de sua pipa em um improvisado apetrecho feito de garrafa plástica. Os derradeiros dedos de prosa são trocados como a agendar novos dias de aventuras e novas parcerias de brincadeiras e divisão de humanidades e sonhos.
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Me recolho a minha casa e, no peito se acelera uma certeza: a de que ainda é possível sermos humanos em um mundo de tecnologias e sociabilidades artificiais, mediadas por engenhos e apetrechos que isolam, individualizam e apartam as pessoas de seus iguais.
E, com uma insistência incontrolável, os versos povoam minha mente e meu coração. E assim, também me despeço do dia no embalo do som de Milton Nascimento e acredito que:
Há um menino, há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança ele vem pra me dar a mão.
E me fala de coisas bonitas que eu acredito
Que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito, caráter, bondade, alegria e amor.
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