header top bar

Renato Abrantes

section content

Revolução do Amor

15/02/2012 às 00h00

                                       

Em Quixadá, "aluno" de 15 anos de idade, portando arma de fogo, dispara em vigilante de escola. A manchete não poderia ser mais vergonhosa e digna dos noticiários nacionais. Contudo, a violência já está tão banalizada que, acredito, não será veiculada sequer nos jornais de porte médio do Estado. Semana anterior, tivemos notícia que mãe de um filho que sofria humilhações na escola, ao invés de buscar a legalidade, buscou o crime: imobilizou a agressora de seu filho para que este, com um estilete, rasgasse o rosto daquela.

Não terá chegado o momento de uma grande revolução em nossa cidade? Já não basta de tanta violência? Não me refiro à baderna ou à justiça com as próprias mãos. Violência só atrai violência. Refiro-me, sim, a uma mudança de mentalidade, de cultura. Sinto falta, em todos os lugares, da turma do “deixa disso”, enquanto vejo prosperar o pessoal do “ah, foi contigo, vai ficar calado, não vai revidar?”

Onde estão os incontáveis homens e mulheres sérios de Quixadá? Onde estão as organizações, as Igrejas, as escolas, as Faculdades, as famílias, os grupos de juventude, os escoteiros? Onde estão os católicos, os espíritas, os evangélicos, os ateus? Onde estão os bispos, os padres, os/as religiosos/as, os pastores, os pais de santo, os mestres e guias espirituais desta cidade? Onde estão os membros das pastorais, das catequeses, das escolas dominicais? Afinal, para que servem as nossas religiões?

Onde estão os advogados, os médicos, os motoristas, os professores, os garis, os funcionários públicos, as empregadas domésticas? Onde está o pessoal da imprensa, do rádio, dos jornais, dos sites, da TV? Onde estão os comerciantes, os vendedores, os policiais, os artistas, os músicos, os garçons? Onde estão as entidades de classe? Ou será que os nossos títulos acadêmicos e sociais servem apenas para serem dependurados num quadro na parede?

Onde estão os Poderes Executivos Municipal e Estadual? Onde está o Poder Legislativo, as senhoras e senhores deputados e vereadores? Onde está o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública? Ou será que o serviço público é sinônimo de estabilidade, rentabilidade salarial (e os outros “que se danem”)? Onde está o Conselho Tutelar? Onde está a CDL, o Rotary, os demais clubes de serviço? Será que nossos status sociais servem apenas para que nossas barrigas cresçam, com o Rei dentro?

Onde estão todos? Por que estamos de braços cruzados? Ou, se algo está sendo feito, porque tudo é tão tímido? Porque não somos tão eficazes nas nossas boas iniciativas? Porqrue nossas reuniões pela paz, aqui e acolá, ontem e hoje, não dão em nada? Porque os bandidos (maiores e menores de idade) não temem agir, enquanto os cidadãos de bem estão mudos e presos em suas casas? Porque temer ir à praça ou, agora, ir ao colégio dar aula?

Porque insistimos em querer passar adiante (e a nós mesmos) a falsa ideia de que tudo está muito bem? Porque enganamo-nos, afirmando que o índice de aprovação nas escolas públicas subiu, quando, na verdade, os professores são obrigados a “passar de ano” o aluno que nem ler sabe (pois o Brasil tem metas internacionais a cumprir)? Porque os pais se recusam a usar de sua autoridade, e não colocam mais seus filhos de castigo?

Porque permitimos que os mais jovens chamem os mais velhos de “você”, quando, na verdade, deveriam chamar de “senhor” e “senhora”? Porque não anotamos a placa da moto que ultrapassa o sinal vermelho e não a comunicamos à Polícia ou ao Departamento de Trânsito – afinal, qualquer cidadão pode noticiar a autoridade de uma infração cometida? E porque a Polícia, ou o Departamento de Trânsito não tomam nunca nenhuma providência?

Não entendo porque não nos escandalizamos quando os “forrós de plástico” de agora, que chamam a mulher de “cachorra”, “bandida” e de toda a variedade de fruta, mas nos aterrorizamos com a violência doméstica? Não fomos nós que a construímos, com a nossa aceitação a essa cultura machista?

Porque será que somos tão hipócritas olhando a vida do filho do vizinho, que é dependente químico, mas nos recusamos a olhar para os dramas de dentro da nossa casa? Porque nos preocupamos com a gordura alheia, e nos esquecemos dos nossos cânceres? Porque não cuidamos da nossa vida, para cuidarmos bem da vida da nossa cidade?

Porque fazemos tão pouca conta do uso do sexo fora do plano de Deus, e até o incentivamos, mas nos assustamos com alarmantes índices de casos de HIV positivo e, pior, os tratamos depois como o “lixo do mundo”? Quão hipócritas somos!

O que estamos esperando? Pelo Estado? Será que ainda não percebemos que estamos sós? Presidentes, governadores, prefeitos, vereadores, pouco estão se lixando para nós. Estamos sozinhos no barco que nos conduzirá ao futuro. Se não tomarmos, nós, cidadãos de Quixadá, as providências, no sentido de mudarmos isto que aí está, seremos, eu e você, os próximos a morrer, talvez nas mãos de nossos alunos ou filhos. E, por favor, não me entendam mal. Estou sendo apenas realistas, ao olhar para as notícias de hoje.

O que estamos esperando? Por Deus? Mas Deus já fez tudo por nós; Ele é que está esperando por nós, que decidamos mudar o mundo. Quixadá é uma cidade linda, encantadora. Tem uma paisagem única no mundo e suas pessoas são tão boas. Pena que é uma cidade estragada pela omissão dessas mesmas pessoas que são boas e pela ousadia das que são más. Deus não nos ajudará, caso não nos ajudemos (e permitamos que Ele nos ajude, fazendo algo). Somos livres para fazer o que bem entendemos e Deus nunca vai tirar-nos a liberdade. Uma das características de Deus é a “educação” (Ele não nos tira o que nos deu nunca).

Será que estamos esperando, cada um, como ovelha que vai para o matadouro, ser a próxima vítima? A situação, que já era insustentável, torna-se cada vez pior. Assombra-me não a ousadia dos maus, mas, muito mais, o silêncio, a indiferença e a omissão dos bons. Se quisermos – nós, sociedade – poderemos dar um basta na violência.

Encerro por onde comecei. Pelo menino de 15 anos que atirou no vigia. Será que esse menino é amado? O que ele escuta em casa? E na rua, antes de chegar à escola? O que ele ouve em sala de aula e o que ele faz durante o intervalo? Qual o ambiente em que esse menino vive? Certamente, não dos melhores pois, como sabemos, teve fácil e rápido acesso a uma arma. E, no meu pobre entendimento, somente porta arma policial ou bandido.

É fácil dizer que ele errou: pois isso é óbvio e tem que pagar por isso sim. Talvez vá para algum internamento e com certeza aos 18 anos (ou antes disso), por ser menor, já está fora da “medida socioeducativa” e pronto para dar mais uns tiros em algum professor ou vigia desavisado (ou em mim ou em você).
Alguns discutem a menoridade penal (deixo claro que sou a favor). Mas, nesse momento, não vejo lugar para essa discussão. A questão aqui é mais profunda, pois, de medidas mágicas já estamos cheios.

O que fazer para mudar radicalmente essa situação? Não duvido afirmar que somente o amor mudará a realidade de Quixadá. E não se trata de um pensamento “piegas”. Amar é difícil, mas, é mais eficaz que o ódio. Odiar é fácil. É só deixar extravasar os sentimentos ruins, que são mais fortes que os sentimentos bons.

Temos que amar. Só o amor vai mudar nossa cidade.

Se amarmos, vamos nos preocupar mais com o dinheiro do SUS, por exemplo, e não o desviaremos, sabendo, por exemplo, que, se isto acontecer, muita gente nos hospitais deixará de ser atendida, pois os médicos não receberão os seus salários, ou os medicamentos faltarão. Se amarmos, os pais não terão receio de impor horário de seus filhos chegarem em casa à noite, e delimitarão as suas companhias. Nem mesmo se questionarão sobre castigar ou não os filhos, como forma de educá-los (a psicologia da “não-repressão” já se mostra falida).

Se amarmos um pouco mais, os professores exigiremos dos alunos mais respeito e obediência, e não permitiremos que eles nos chamem de você e nos tratem por “iguais”. Se amarmos, pararemos nos semáforos vermelhos e não colocaremos em risco as vidas alheias. Se amarmos, não vamos usar nossa religião como instrumento de ascensão social, mas, sim, como o que de fato ela é: religamento com Deus e com os outros homens, principalmente os mais sofridos.

Se amarmos, não usaremos mais armas, pois as deixaremos para o Estado utilizar em último caso (a proteção da vida do cidadão ou do próprio policial). Se amarmos, seremos mais honestos, desde a realização da prova na escola sem “pescas” até o negócio vantajoso que poderá ser feito sem falcatruas.

Se amarmos, daremos um pouco mais de ouvidos a quem nos pede esmola e, além de dar a moedinha, procuraremos saber porque a velhinha não está aposentada, ou porque o menino não está na escola.

Se amarmos, mudaremos o mundo. Basta amar e viver o amor na prática. Repito: o amor nada tem de “piegas”; o amor é concreto.

Basta que cada um de nós mude a sua mentalidade, deixando para trás essa cultura de morte já instalada e começando a plantar uma cultura de vida.

Só depende de mim e de você. E Quixadá será outra.

_____________________

Fiz para Quixadá, mas vale para o mundo todo, também para Cajazeiras.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Renato Abrantes

Renato Abrantes

Advogado (OAB/CE 27.159) Procurador Institucional da Faculdade Católica Rainha do Sertão (Quixadá/CE)

Contato: [email protected]

Renato Abrantes

Renato Abrantes

Advogado (OAB/CE 27.159) Procurador Institucional da Faculdade Católica Rainha do Sertão (Quixadá/CE)

Contato: [email protected]

Recomendado pelo Google: