Réquiem ao camarada
Por Mariana Moreira
Quando o conheci, em meados da década de 1980, a primeira impressão que me assalta é a força e determinação de um homem que, superando as limitações físicas agravadas por dificuldades e privações impostas pela perseguição política, mantem a altivez dos grandes líderes. Daqueles que, alimentados de esperança, caminham nas trilhas da utopia de uma sociedade de iguais.
A militância política nos aproxima, nos anos seguintes. E sempre que o via em ação e atuação me comovia a sua força e determinação. A cadeira de rodas, simbolizando sua foice e seu martelo, parecia levitar ente pés e caminhadas. Sua voz um pouco rouca traduzindo para tantos a certeza de que somente na peleja cotidiana é que se faz a defesa de tantos que, sucumbidos pela opressão, minguam de fome, de alimento e de dignidade.
Como vereador, por quatro mandatos, a tribuna da Câmara Municipal de Cajazeiras ganha voz e verdade. Projetos, defesas apaixonadas de propostas e articulações para a construção de saídas de crises e problemas são matéria prima de seu cotidiano parlamentar. Traz para o debate temas que representam voz e visibilidade para tantos esquecidos, largados a própria sorte, atrofiados em suas impossibilidades físicas e políticas. É uma das primeiras vozes de defesa de políticas públicas de acessibilidade. Ergue a voz e faz do mandato instrumento de luta e defesa de políticas de incentivo e valorização da cultura, entendida como ferramenta imprescindível de qualquer sociedade que se pretenda humana.
E, na sua intransigente defesa de princípios e compromissos éticos, nos ensinava também a difícil arte da tolerância. Com os seus pares, no parlamento municipal, discutia ideias, posturas e posições políticas, compromissos de luta; jamais acusações pessoais, agressões ao humano, desrespeito a pessoa.
Com os amigos e parceiros de caminhada e luta, essa postura também lhe marcava. Assim, no calor do debate sobre a propositura, de sua autoria, de concessão do título de cidadania cajazeirense a Lilia das Mangueiras, divergimos muito, sobretudo quanto a compreensão do que representa “ser cidadão”, no contexto das discussões feministas e das relações de gênero. Cidadania que, para mim, vai além de um pedaço de papel marcado por solenidade pública. Que, neste debate, não se trazia para o palco questões como a prostituição, a exploração sexual feminina e outros aspectos que estavam sendo minimizados na esteira de uma projeção política e midiática de alguns. Mas, nossas divergências, ao invés de nos afastar, nos aproximava pelo respeito e pelo carinho.
E vendo seu corpo inerte trazendo entre as mãos uma obra de Trotsky. Ouvindo o choro e as lágrimas compungidas de sua companheira Ana, que contigo dividiu sonhos e esperanças, senti que, mesmo afastados fisicamente, continuaremos sempre sendo “pariceiros” que seguem na estrada de lutas e sonhos de uma utopia possível.
Adelante, camarada Severino Dantas!
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