Quantas outras Gilzeanes e Jandiras?
Noite de 03 de janeiro de 2008. Aproximadamente 19h00m. De um lado, gente; do outro também. Aqui, famílias chorando perdas irreparáveis e danos materiais; ali, outras, sofrendo e lastimando-se, talvez querendo que o tempo tivesse um dispositivo de retrocesso.
Na rua, populares buscando informações ou colocando-se à disposição para ajudar em algo; nas casas atingidas, pessoas sofridas, avós, tios, pais, mães, irmãos, amigos, tentando entender o que estava acontecendo. No hospital, do lado de fora, multidão atônita, apreensiva; do lado de dentro, um mutirão de médicos, enfermeiros e outros profissionais que corriam pelos corredores e chegavam de onde estavam para prestar rápida assistência aos que precisavam.
Não foi um avião seqüestrado por terroristas que caiu em Cajazeiras, nem foi a cogitada “bomba-atômica” que, deflagrada, criou um “cogumelo de fumaça atômica” maior que a torre da Catedral. Não foi um “estudante norte-americano atordoado” e armado até os dentes que disparou contra uma sala de aula repleta de alunos, nem foi um desastre natural, um furacão, uma inundação, um vulcão.
Nada disso! O que aconteceu naquela fatídica noite, foi algo, INFELIZMENTE, que já está se tornando corriqueiro em nossa cidade. Um acidente de trânsito de graves proporções. Repito: infelizmente CORRIQUEIRO.
Não é tempo de atribuirmos culpa a ninguém; embora as coisas sejam, de início, bastante claras, não temos o direito de fazer julgamento nenhum. Isso cabe às autoridades policiais (no inquérito) e judiciárias (no julgamento do mérito). Contudo, a nós, cidadãos, cabe o direito da análise séria e purificada de qualquer outra intenção que não a busca de soluções para um fato que deve ser de pronto resolvido: a violência no trânsito de Cajazeiras. E a solução passa pela conscientização de cada um. Todos achamos que “acidente só acontece com os outros”, o que é uma grande mentira.
Quantas pessoas precisarão morrer ainda (aí vem o carnaval!) para que se tomem as providências? E, aqui, novamente, não quero apontar falhas no sistema ou culpados. Isso não me diz respeito. Quero, sim, chamar a atenção para algo mais radical: a indiferença das pessoas, o desamor pela própria vida e pela vida dos outros.
Indiferença significa “não estar nem aí” para o que está acontecendo ao seu redor. E, em matéria de trânsito, a indiferença é filha primogênita da impunidade! Continua-se a beber, a dirigir e a matar, pois providências legais, da parte de quem devem tomá-las, são, no mínimo, demoradas.
Quando a notícia do acidente correu, estava na maternidade de Cajazeiras, visitando uma parenta que, naquela noite, ganhou bebê. Como sacerdote, junto com minha irmã, enfermeira, corri para o hospital, pelos corredores internos, para prestar a assistência que fosse, junto às vítimas, ou junto aos familiares que talvez necessitassem não de muitas palavras, mas da presença de alguém para ouvir suas lamentações. Geralmente, uma figura de significação espiritual como um padre é pessoa indicada para isso. Em síntese, entre hospital e familiares, “terminei” minha obrigação de consciência, de fraternidade e de solidariedade por volta de 01h30.
Até aí tudo dentro da normalidade, se é que se pode dizer isso. Depois de ter deixado minha irmã em casa, sozinho, guiando o carro da minha família, meditava sobre o mal do mundo, um dos problemas que deixa a filosofia desnorteada e necessitada de outra explicação que não apenas a da razão. Meu mundo ainda não tinha caído. Ele desabou no momento em, passando pelas ruas, notava que jovens e adolescentes, em traileres e bares, em plena madrugada, se alcoolizavam, completamente alheios (ou indiferentes!) à tragédia acontecida há pouco.
E, parando o carro para “contemplar” as cenas, tentava juntar um monte de coisas: a dor das famílias sofridas, a dor do que provocou o acidente e de sua família (pois também têm sentimentos e precisam ser respeitados nisso), os acidentes em potencial daquela madrugada, os que estaremos vivos nos próximos dias ou meses, ou os que estaremos mortos, vítimas da violência que está em ascensão disparada.
Sem poder fazer nada, com lágrimas nos olhos, fui pra casa terminar de passar a noite, em meio a um sono intranqüilo e orações pelo nosso povo que, desconsolado e sem saber a quem se dirigir, tem que viver esperando sem esperança. Naquela madrugada, apenas aguardei o nascer do sol, rogando a Deus que ilumine nossas consciências. A segurança no trânsito sou eu que faço. Já basta de tanta morte.
À família, que perdeu Jandira, meus sinceros pêsames e a certeza das palavras da fé,
que nos confortam neste momento: vida eterna e ressurreição. Às outras vítimas, força!
Aos profissionais de saúde de Cajazeiras, mesmo os que não estavam de serviço, que deram uma demonstração formidável de prontidão e de amor ao próximo, o reconhecimento deste articulista.
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