Pedaladas de dignidade
Por Mariana Moreira
Confesso minha absoluta ignorância acerca das questões relacionadas com finanças públicas.
Portanto, meu conhecimento sobre “pedaladas fiscais” limita-se ao que minha curiosidade me conduz em termos de leituras de especialistas (juristas e economistas), sobretudo, daqueles que se propõem a uma análise consequente e, dessa forma, sem a firme e nociva intenção de antecipar culpas e prescrever condenações sem nenhuma possibilidade de defesa aos possíveis responsáveis. Minhas leituras me permitem também elaborar a compreensão de que estas estratégias não se constituem em argumentos ou oferecem subsídios que tenham a sustança necessária para legitimar a destituição da presidenta Dilma de sua função de chefe de governo.
O argumento de que as pedaladas fiscais foram adotadas num pacote de medidas que tinha o claro propósito de ações eleitoreiras que assegurassem a reeleição da presidenta Dilma soa como aleivosia de quem, historicamente, começa a ver desmoronar a confortável posição de dominante.
Uma posição que, nas primeiras décadas desse século, começa a ser trincada com a adoção de programas sociais que, concebidos como políticas públicas, perde a configuração perniciosa de favor pessoal ou “bondade” de governante. Políticas que, personificados em nomenclaturas como “Bolsa Família”, “Minha Casa, Minha Vida”, começam a promover dignidade e cidadania para milhões de brasileiros, içados da linha de pobreza e ensaiados no universo da simples condição de humanidade.
O crime da Dilma Rousseff, cujos primeiros delitos foram aguerridamente cometidos por seu antecessor, Luís Inácio Lula da Silva, foi o de compreender que um simples cartão magnético, traduzindo o acesso a créditos que assegura a milhões de brasileiros pagar a conta de energia, comprar o botijão de gás, pagar a conta da farmácia, inclusive, com medicamentos barateados na política das farmácias populares e, até mesmo, pagar a pinga no boteco (afinal, “ninguém é de ferro”, já vaticina o poeta Chico Buarque), representa um salto político de ênfase na constituição da cidadania, na valorização da estima das pessoas. Pessoas que, agora, não mais carecem madrugar nas deploráveis filas em portas de residências de prefeitos, vereadores, governadores, levando como passaporte uma conta vencida de água e luz, uma receita médica agregada a uma úlcera aberta em corpos frágeis e adoecidos de fome e miséria.
São esses políticos que não mais se alimentam da degradação humana que acusam a presidenta Dilma de crime administrativo e de ter maculado a sacrossanta imagem de chefe do Estado Brasileiro. Um Estado que, desde a colônia, voltou às costas a sua gente, dela extraindo apenas a riqueza, o suor, o trabalho e a dignidade. É essa elite que, encastelada numa mídia reacionária e atrasada, tenta, sob todas as formas, turvar, tumultuar e, pela força, das armas e da lei, frear processos que, no plano mundial, são reconhecidos como exitosas propostas de promoção da dignidade humana.
Do crime da Dilma Rousseff eu sou coautora. Com ela enfrento tribunais e cárceres, tendo como hino os versos do poeta, travestido de cantor e compositor, Chico Buarque, que nos instiga:
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar
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