“Pariceiros” de janela
Em isolamento social a janela do ambiente de estudo vem se constituindo no elo mais forte de minha presença no mundo.
Em momentos diversos por ela passam nuvens rechonchudas com saudades de chuvas fartas, céus azuis em prévia de estiagens, sóis tremulantes tingindo poentes púrpuras multiplicados nas águas do açude grande, luas crescentes e minguantes espalhando réstias de luz prateada por frestas e retalhos de chãos, pássaros e aves tantas que dividem o urbano com humanos e barulhos de buzinas e motores.
Mas, quanta surpresa e encantamento atraem meus olhos para aqueles saltitantes e minúsculos seres que, guiados por silvos e ágeis movimentos, transformam os finos e instáveis fios da rede elétrica em cenário para piruetas e malabarismos.
Passa o primeiro e, como guia, vai trazendo o grupo de poucos que, destoando dos sons, cores e paisagens da cidade, empresta beleza e inusitada curiosidade ao cotidiano de minha janela de mundo, dividindo com vozes humanas e sons artificiais confusos o ar das manhãs.
Depois da exímia exibição nos finos e tremulantes fios da rede elétrica o grupo vai partilhando as copas das árvores da rua. Quem sabe a cata de algum fruto comestível ou mesmo de resinas que escorrem das feridas abertas em galhos e troncos. Alimentos que, improvisados, possam saciam ou minimizar os efeitos famélicos de quem, invertendo a natural ordem do mundo, se aventura pelas trilhas e tortuosas vias humanas de cidades e universos artificiais.
Mas, o ponto mais aprazível das inusitadas criaturas é a frondosa copa da mangueira que, crescida rente ao muro da antiga sede da AUC (Associação Universitária de Cajazeiras), espalha galhos e sombra pela calçada, sendo pouso e abrigo de bem-te-vis, pardais, andorinhas e outros tantos viajantes e nativos que, ao final do dia, fazem de suas ramagens ponto de pernoite.
E, por dias que o isolamento metamorfoseia em intermináveis tempos, o bando se torna uma presença constante na paisagem de minha janela, intercalando intervalos de ausências. Manhãs, finais de tarde, meios dias. Estavam lá com seus sibilos e performances. Até que a exigência da ordem urbana determina a poda das árvores e os minguados ramos que sobrevivem ficam nus de ramagens e proteção.
E os saguis que dividiram dias e cenários com minha janela para o mundo saem de cena. Tento apurar as “oiças” na cata de seus sons estridentes. Mas apenas vozes difusas e buzinas apressadas escapam por entre redes elétricas e solitários fiapos de nuvens que destoam do profundo azul do céu cajazeirense nestes tempos quentes e pandémicos.
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