Papo comunista
Por Mariana Moreira
Parte de minha infância, a adolescência e o início da minha vida adulta vivi sob os ares da ditadura militar que se implantou no país em 1964. Com uma mente sempre buliçosa e inquieta me incomodava a fala de um advogado que, nas celebrações do trinta e um de março, convidado pela direção do Colégio Estadual de Cajazeiras, exaltava, em palestra no pátio da escola, seu júbilo em ver, como estudante da Faculdade de Direito do Recife, os estudantes e professores “comunistas” sendo enxotados pelos “valorosos militares” que, bravamente, defendiam nossa pátria da “ameaça vermelha”.
Por todas as interdições que a ditadura impunha não tinha acesso às informações sobre o que é comunista e comunismo. E pensava: mas o que existe de tão medonho neste comunismo para merecer ser enxotado com violência, armas e mortes?
E a resposta começo a construir quando, na universidade (vista pelos inimigos do comunismo como lugar de balburdia), ainda sob os derradeiros suspiros da ditadura, sou apresentada ao comunismo e aos comunistas. E me espanto com a disparidade política, conceitual, cultural entre esta experiência de conhecimento e as imagens cartografadas pelo ilustre palestrante do colégio. Imagens impingidas em corações e mentes daqueles jovens estudantes.
Depois, em tantos outros encontros com o comunismo fui absorvendo e construindo outras tantas definições suas. Passei a admira-lo como uma instigante experiência de vida e um jeito de viver que tem como propósito e tarefa a invenção e a devolução de nossa humanidade. Assim, também nestes encontros procurei sempre identificar quaisquer vestígios de malignidade, de encarnação demoníaca e tantas outras presepadas que seus adversários lhe atribuíam. Mas nada disso encontrei naqueles que se manifestavam simpáticos a sua causa. Ao contrário, encontrei solidariedade, amizade, afeto, respeito. Ou seja, vi que todos traziam como marca indelével de sua ação política a humanidade, ou seja, que todos são membros de uma mesma irmandade.
Aprendi, em encontros outros com o comunismo, que, necessariamente, não precisamos ser comunistas para sermos humanos. E, sendo humanos, compreendermos que qualquer situação que classifique, rotule, distingue, separe, isole nossa humanidade entre proprietários e não proprietários, entre brancos e negros, entre homens e mulheres, entre nordestinos e sulistas, são invenções de homens que, no fazer-se histórico, vão criando as distinções e enquadrando iguais em divisões distintas que qualificam e desmerecem, que premiam e castigam, que visibilizam e anulam.
E neste momento político que estamos vivendo no país marquei um encontro com o comunismo para amanhã e, entre um trago e outro de café, trocar dois dedos de prosa sobre o que nos aproxima e o que nos separa nestas vésperas de eleições. E, então, forçar minha convicção de que entre um, acusado de ser comunista, nos promete dignidade e justiça, e outro que se arvora em ardoroso defensor da tortura, da morte, do genocídio, me inclino, com todo meu furor, a abraçar o comunista.
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