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Francisco Cartaxo

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Padre Cícero, Bosco Barreto e Gobira

22/09/2014 às 19h21

Padre Cícero morreu no dia 20 de julho de 1934, sem conseguir reaver as ordens sacerdotais, suspensas em virtude dos falsos milagres protagonizados pela beata Maria de Araújo. Embora sem autorização para exercer na plenitude as funções de padre católico, a crença do povo não arrefecia, considera “meu padrim” um santo, mesmo sendo ele mal visto pela hierarquia da Igreja. Quando se espalhou a notícia de sua morte, aos 90 anos de idade, “milhares de pessoas alucinadas, correndo pelas ruas afora, chorando, gritando, arrepelando-se (…) em direção à casa desse homem, que não teve igual em bondade nem em ser caluniado”, como descreveu o caixeiro-viajante Lourival Marques. O corpo do padre Cícero foi colocado em pé, na janela de sua casa, “a uma altura para que ninguém pudesse alcançar e, durante todo o dia, várias pessoas encarregaram-se de tocar com galhos do mato, rosários, medalhas e outros objetos religiosos, no corpo, a fim de serem guardados como relíquias.” Morrera um santo, diziam.

Oxente, que tem isso a ver com Gobira? 

Ora, amanhã, dia 20 de setembro de 2014, portanto, 80 anos e dois meses após a morte do patriarca do Juazeiro, a caminhada de Antonio Gobira chegará à Praça Padre Cícero, vinda da Zona Norte de Cajazeiras, do outro lado da cidade. O espaço é muito pequeno para o tanto de gente que se espera, “deveriam escolher um lugar mais amplo na zona Sul”, me disse um amigo acostumado a grandes comícios, “um local capaz de acomodar a multidão prevista para este sábado”. Eu reagi na hora, nada disso, o lugar simbólico para o povo católico e, a essa altura, Gobira virou símbolo. Símbolo diferente, é bem verdade, a expressar a revolta da população sertaneja contra o mau uso do voto, sobretudo de deputado federal, um personagem quase fantasma, que aparece de quatro em quatro anos com dinheiro vivo a encher os bolsos de poucos e amealhar votos de muitos. Basta! Este ano não. 

O entorno da estátua do padre Cícero já foi palco de grandes eventos políticos. O advogado Bosco Barreto, por exemplo, escolheu o local para agradecer ao ex-aluno do padre Rolim a vitória obtida na Justiça contra o candidato a prefeito pela Arena, Higino Pires Ferreira, meu primo legítimo. Isso ninguém me disse. Eu vi e ouvi numa noite de sábado, em 1972. O gesto de Bosco foi determinante para sua arrancada rumo à prefeitura. A partir daquele dia, Cajazeiras realizou grandes comícios e passeatas em plena ditadura, no auge da repressão do general Garrastazu Médici. Bosco Barreto agarrou-se ao padre Cícero e, de caso pensado, adotou a saudação “meus irmãos e minhas irmãzinhas também”. Ora, esse grito nada mais era do que adaptação da maneira como o padre Cícero saudava romeiros e romeiras! Por um triz Bosco Barreto não derrota Antônio Quirino, o então jovem advogado que substituiu Gineto como candidato a prefeito. 

Fez bem o movimento pró-Gobira ao escolher a Praça Padre Cícero para terminar a mobilização deste sábado, oitenta anos e dois meses depois da morte do santo do povo, muito embora a Igreja Católica ainda esteja toda encalacrada para reabilitá-lo, tão polêmica foi sua vida, sua obra, sua participação na política brasileira.

PS – A Bosco Barreto não faltava dinheiro para realizar suas travessuras políticas, tal como não tem faltado a Gobira. Resta saber, quem vai pagar essa conta…


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

Contato: [email protected]

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Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

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