O sorriso de Maria Tereza
Por Francisco Frassales Cartaxo
Já estava tudo pronto quando chegamos ao Instituto Nina Rodrigues. Maria Tereza vestia jaleco branco, luvas e acessórios para realizar perícia sexológica forense. Deitada em rústica maca uma adolescente da periferia de Salvador aguardava. Naquele estranho cenário tivemos a primeira aula prática de Medicina Legal, disciplina do final do curso de direito. A linda Maria Tereza era assistente do catedrático Estácio de Lima, célebre professor que ministrava aulas teóricas, com sua larga experiência de bacharel em Direito, formado no Recife, e doutor em Medicina pela Faculdade da Bahia, a mais antiga do Brasil. Autor do livro O mundo estranho dos cangaceiros: ensaio biossociológico era famoso, também, por se envolver em polêmicas relacionadas com imagens e estudos sobre o cangaço.
Maria Tereza, jovem médica legista, nos recebeu na apertada sala, cada um a querer se aproximar daquela menina-moça submetida ao vexame de se ver cercada de rapazes e moças. Magrinho, pude me infiltrar melhor e sentir de perto seu enorme constrangimento. Por quê? Ora, a aula era sobre a materialidade do crime de sedução, tipificado no Código Penal de 1940, cuja definição representava enorme avanço, comparado com a legislação penal do começo da República, a partir deste esquisito nome: defloramento. Como? Isso mesmo. Tirar a flor. Ato de desvirginar menor de idade usando sedução, engano ou fraude. Ao contrário do estupro, portanto, pressupunha o consentimento da vítima.
Pois bem, estava frente a nossos olhos um caso real de sedução, Maria Tereza a iluminar com pequena lanterna as partes pudendas da jovem negra, e mostrar as características da consumação ou não do crime, enquanto apontava os detalhes físicos, para enfim concluir com sua voz encantadora:
– Vejam, inexiste a materialidade do crime de sedução, ela continua virgem… isto constará do laudo pericial a ser anexado ao processo, aberto pela suspeita da mãe queixosa.
Mero figurante, eu conservo na memória a cena, que sempre aflora junto com outra, ocorrida pouco tempo depois no consultório particular de Maria Tereza. Desta vez me marcou a alegria pós-exame. Sozinho na sala de espera, primeiro, veio o sorriso largo e, depois, com a mão no ombro da jovem de 15 anos, a frase tranquilizadora:
– No máximo houve cópula pré-vestibular, sem penetração.
O sorriso lindo de Maria Tereza está gravado até hoje, mais aceso do que o fim da angustiante dúvida da amiguinha.
Presidente da Academia Cajazeirense de Artes e Letras
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