O risco de pensar
Por Mariana Moreira
O sol se escondendo no poente e tingindo as águas do açude grande de tons dourados encanta olhos e inspira beleza. A corriqueira cena apenas emoldura ângulos e enquadramentos para uma self que, na instantaneidade de um clique, será compartilhada com centenas de anônimos seguidores encantados com a poesia que a cena provoca, mas logo descartada ao som da próxima mensagem que aguarda na barra de ferramentas.
E novos sentidos, fugazes e efêmeros, são despertados ao sabor da instantaneidade da vida virtual que, esquecida da imensidão de um céu tingido de dourado, se enquadra nas minúsculas telas dos celulares que individualizam e isolam coletivos.
E como esperar quaisquer vestígios de questionamentos ou dúvidas de quem já traz acabada a resposta para todos dilemas e interrogações?
Quais, entre aqueles que, displicentemente, captaram um instantâneo do por do sol, irão se questionar acerca dos efeitos do aquecimento global no ritmo de chuvas e secas que, à revelia de transposições e barragens, continuam sendo elementos determinantes da vida e da existência deste espaço como território de habitação humana?
Quem, na transitoriedade da imagem, questiona o asfixiamento do açude, engolido pela especulação imobiliária que devora suas margens, destruindo vegetação, afugentando animais e aves e fincando casas, paralelepípedos,
barulhos e poluição?
Ora, que importa o açude!
O por do sol continuará acontecendo e tingindo de ouro suas águas, contaminadas por esgotos, lixo, dejetos que, descartados no cotidiano de nossas vidas de seres superiores, nos torna apenas aqueles que, conscientemente, destrói a própria casa.
E como tudo se resume a tela do celular e a instantaneidade da velocidade de circulação e descarte de dados e informações, não nos apercebemos como, cada dia nos atrofiamos na capacidade de pensar, de questionar, de interrogar. As dúvidas logo são esclarecidas ao ligeiro toque de uma tecla que te conduz a farto universo de informações prontas, estéreis, inofensivas. Afinal, como vaticina Zygmunt Bauman, “Tudo é mais fácil na vida virtual, mas perdemos a arte das relações sociais e da amizade”.
E como essas perdas são, a cada dia, mais expressivas. Não questionamos. Não sentimos o outro em seu calor, em seu timbre de voz, em sua expressão facial, em sua zanga ou alegria. Apenas, uma “curtida” na velocidade de um toque de tela. E, a cada dia, evoluímos na direção de uma sociedade de indivíduos isolados, apáticos, ignorantes na arte das relações sociais e da amizade. Não questionamos e, assim, não conhecemos. Não arriscamos desvendar o enigmático, pois nos amedronta pensar.
E como Bauman estava certo ao afirmar: “Nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar pode esperar encontrar respostas para os problemas que a afligem”.
Afinal, como nos ensina a sabedoria popular, nascida no observar e questionar as coisas: “pensar faz bem até pras tripas!”.
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
Leia mais notícias no www.diariodosertao.com.br/colunistas, siga nas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram e veja nossos vídeos no Play Diário. Envie informações à Redação pelo WhatsApp (83) 99157-2802.
Deixe seu comentário