O Rei Mendigo
Andava pelas ruas da cidade como um rei: de cabeça erguida. Com um velho alfinete todo enferrujado, prendia um saco de estopa ao pescoço pendido às costas, o qual dizia ser a sua capa magna. A púrpura já não era mais púrpura, mas de outra cor, meio cinza, meio marrom, fruto do tempo e da falta de higiene, que vai deixando as coisas como que meio encardidas. Na mão, um pedaço de pau, de cerca de cinqüenta centímetros, o cetro real, que, além de representar o poder régio imaginário, servia também para afugentar os cachorros valentes e os meninos que lhe vinham tirar a paciência.
À cabeça, um chapéu que não tinha mais abas nem cobertura, só as laterais, sua coroa. Os que viam e sentiam pena, não imaginavam que o pedaço de caixa de papelão jogado num canto de calçada, que lhe servia de assento, era o trono áureo de Sua Majestade. Dali, e quando fazia suas andanças, ele regia o mundo que era o seu império… acostumou-se a isso: a mandar e a ser obedecido. Um pedido seu era uma ordem, por isso mandava tanto (sempre estava a pedir esmolas na porta de algum restaurante, mesmo quando algumas vezes não era atendido; mas ele não ligava pra isso… continuava a reinar). Seu pajem, um vira-latas que se acostumou àquela companhia bucólica, talvez por terem em comum o hábito de virar latas.
Tinha em suas mãos o poder de vida e de morte: decidia quais mosquitos mataria naquele festim mortal que a proximidade da noite anunciava. Ah, os ratos que insistiam em roer-lhe as roupas também estavam sob os olhares atentos de Sua Alteza. Uma proximidade inútil poderia provocar uma chacina sanguinolenta.
De uma sacola de plástico, tirou um sanduíche comido pela metade que fora salivado por um menino rico que começou a comer, mas, abusado, pediu outra coisa ao pai; da lixeira para o estômago, mas, não nos esqueçamos, para o estômago do rei. E do pajem, é claro, com quem dividia todo o seu banquete.
A rainha? Existia sim, mas decidiu tomar outros rumos, embora o amasse. Não podia compartilhar o estilo de vida do seu rei. Decidiu dizer “não” ao seu amado e “partiu sem partir”, quando rejeitou a proposta de construir uma vida nova. Assim, a rainha transformou-se, como em tudo em sua vida, uma ilusão, uma quimera emoldurada por um amor platônico que, se por um lado, nunca acabaria, por outro, nunca se tornaria realidade… pois a realidade era outra. A rainha existia na realidade e na mente débil do pobre rei que chorava apenas quando nela pensava. E notava que só no mundo… preferiria perder o “poder e a realeza”, mas não a sua rainha…
Não estava nem aí para o que os outros diziam dele. Sentia-se rei mesmo! E era! Sentia-se, porém, ofendido, quando não mais constatava a presença de sua amada. Não se importava muito com a sujeira, nem com os mosquitos, nem com os ratos, nem com a fome. Importava-se, sim, com a sua rainha. Não sabia onde estava. Pensava nela… e tinha certeza que ela também pensava nele.
Deixemo-lo em paz, pensando ser rei, pensando na sua rainha. Talvez aqui, na sua debilidade, a ilusão se torne realidade.
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