O preço do simples
Por Mariana Moreira
O sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman, atualizando, pela lente de uma leitura marxiana, uma compreensão de nossa contemporaneidade, nos apresenta a dramática situação da transformação das pessoas em mercadoria. E nessa empreitada modos e formas de organizar a vida que ainda trazem vestígios de coletivo, de comum a todos os iguais, vão sendo varridos com a condenação do atraso, do tosco, do improdutivo.
A cena me povoa ouvidos e mentes e ameaçam destronar esperanças que alimentaram e alimentam a teimosa crença que insisto em cultivar como regra de vida: a de como os que estão na fronteira explorada do sistema constroem modalidades de organizar a vida que, em muitos momentos, se configuram potentes ferramentas de subversão a uma ordem imposta como única e imutável.
A cena em pauta traz falas de pequenos agricultores familiares sobre o cotidiano de suas vidas e atividades.
Um deles manifesta o interesse em encontrar um touro reprodutor para atender as necessidades de uma vaca de seu pequeno rebanho de duas ou três que, em estágio de cio, carece de cobertura para dar sequência ao ritmo da natureza. O amigo, vendo emergir uma importante ocasião para um bom negócio, confirma a propriedade de um animal que atende plenamente as carências do interlocutor. Mas, e isto é sintoma das assertivas que o Bauman nos traz, cada “monta” custa um valor monetário que, pelo espanto manifesto, traduz as derradeiras frestas que se esgarçam da vida partilhada, tão comum em nossas comunidades, sobretudo, do campo.
Cresci vendo meus pais acolhendo fêmeas bovinas e suínas que, tratadas com zelo, recebiam o devido cuidado até a fase da prenha. Também o movimento contrário era comum. Muitas vezes, quando as necessidades determinadas por secas, pela família de dez filhos e poucas posses, forçavam a venda dos animais reprodutores, os vizinhos e amigos acolhiam os nossos animais. E, nesse movimento que se expressa em relações comuns, os tributos eram cobrados em relações de compadrio, na partilha de “pesadas” de carne quando do abate de um animal, nos dias de “serviço” prestados gratuitamente quando a lida exigia um maior volume de força de trabalho. O elemento mais escasso desse contexto era a moeda.
E o espanto do amigo cuja prosa chegou aos meus ouvidos se traduz em tristeza e desalento por ver crescer, com a estonteante velocidade de artefatos atômicos, a destruição do humano que nos torna iguais e, na angústia do irreversível, os versos de Vital Farias cantam a Saga de Severinin: “E Severinin todo dia, lavrava a terra macia.
E terra lavrada é poesia”. Mas, para esse sistema de troca e conversão de tudo em mercadoria a poesia, o sonho, a arte, o prazer são subversões que carecem de austera destruição.
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