O meu Deus é de paz
Nasci em uma família católica. Na casa dos meus pais todas as noites rezava-se o terço e, no mês de maio, se celebrava o mês mariano com novenas e orações. Meu pai foi meu primeiro catequista, não apenas ensinando as orações básicas, mas a doutrina. Adolescente e, respirando os ares inovadores do Concílio Vaticano II, vi meu pai sagrar-se ministro extraordinário da palavra e da eucaristia na primeira turma constituída para esse fim na Diocese de Cajazeiras.
Em reiteradas vezes partilho dos círculos bíblicos e celebrações da palavra realizadas por meu pai. Um homem simples, agricultor familiar, com apenas quatro meses descontínuos de estudo, mas com um profundo conhecimento das Escrituras e da doutrina cristã. Foi através deste homem que conheci um Deus generoso e justo. Um Deus que humaniza seu filho e o faz viver entre os homens revelando, em sua expressão mais sincera, como se faz e se vive a generosidade e a justiça em experiências de vida. É esse Deus que me toca e me comove.
Um Deus que se anuncia com o inexorável propósito de promover vida e vida em abundância. Abundância de vida figurada no rosto da mulher adúltera na iminência do apedrejamento público instituído pela hipocrisia humana que se arvora de arauto divino. Abundância de vida que se escancara na palavra e no gesto de carinho para o leproso, no afago humano a prostituta, no reconhecimento da fé do estrangeiro. Abundância de vida de um Deus que manifesta acolhida àqueles que, não ungidos dos seus ensinamentos, guardam no coração o sentimento da justiça e da solidariedade.
Foi este Deus que vi, tantas vezes, no rosto e nas palavras de meu pai. Um Deus humano, carinhoso, sem qualquer vestígio de ódio, ressentimento, vingança. Um Deus que, no aconchego do seu amor, conduziu meu pai a celebrar a procissão de Nossa Senhora de Fátima, padroeira da comunidade, na casa de uma família “amancebada”. Sua justificativa reforça em mim a convicção de que o Deus cristão é, sobretudo, feito das nossas crenças, mas, sobretudo de nossas fragilidades. Meu pai simplesmente afirma: o Cristo já nos ensina que não são os saudáveis, mas os doentes que carecem de médico e remédio.
Portanto, este Deus que, depois, vi materializado em Madre Tereza de Calcutá, em Irmã Dulce, em Dom Hélder Câmara, em Dom José Maria Pires, em Dom Pedro Casaldáliga, não traz nenhum traço de um deus que, neste momento, é raivosamente gritado em palanques e bocas de ditadores. Em gargantas de déspotas que, se arvorando em Vesta, se auto proclamam defensores da família, da infância. Um Deus que odeia negros, pobres, nordestinos, mulheres, gays, lésbicas, transexuais, favelados, moradores de rua, trabalhadores sem terra.
Um Deus que, de dedo em riste, condena sumariamente qualquer um que se atreva professar outro credo, ou se revelar seguidor ou discípulo da justiça, da inclusão, do humano direito a vida.
Este Deus não se alimenta das escrituras sagradas que, na luz da lamparina, meu pai lia para nós, exaltando a parábola do filho pródigo, ou nos recordando Santo Agostinho ao ensinar que “a fé sem as obras é morta”.
Portanto, é a mais ignomínia aberração e a mais aviltante heresia ao Deus promotor da abundância de vida vociferar defesa da família e propagação de seu nome em trilhas de ódio, rancor, violência.
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
Leia mais notícias no www.diariodosertao.com.br/colunistas, siga nas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram e veja nossos vídeos no Play Diário. Envie informações à Redação pelo WhatsApp (83) 99157-2802.
Deixe seu comentário