O Menino do Dedo Verde
Por Padre Renato
Graças ao empréstimo de uma grande amiga daqui de Quixadá, li o livro de Maurice Druon, escrito em 1957 (82ª ed. Trad. D. Marcos Barbosa. Rio de Janeiro: José Olympo, 2008). Bem ao estilo “O Pequeno Principe”, Druon começa o seu livro com a despojada explicação do nome do personagem principal, Tistu, abreviação de João Batista, filho do Senhor Papai e da Senhora Mamãe, pessoas muito ricas da cidade de Mirapólvora.
Em idade escolar, Tistu não consegue acompanhar o ritmo de estudos dele exigido, pois, a cada explicação do professor, “a aula se transformava em uma aula de sonhar”. As pálpebras pesavam sobremaneira e Tistu teve que se submeter ao modelo de estudos elaborado pelo seu pai: não iria mais para a escola, mas, sim, iria, dia após dia, aprender a arte da vida. Seu primeiro professor foi Bigode, jardineiro da grande mansão da família de Tistu, um homem que “falava tão pouco com as pessoas: ele conversava com as flores”. Logo na primeira aula mandou que o menino enchesse sacos de terra e enfiasse o dedo nela, a fim de, depois, colocar sementes. Foi o que Tistu fez. Para surpresa de ambos, imediatamente flores germinavam e cresciam, à medida que o garoto fazia aquele ritual.
Bigode, fascinado com o seu pupilo, descobriu que ele tinha o “dedo verde”, um grande dom para alegrar a vida tão triste da humanidade. Assim, no dia seguinte, na aula do Senhor Trovão, ao visitar a cadeia local, Tistu colocava seu dedo nas paredes e nas grades e, nelas, de imediato surgiam plantas de todo tipo; aos poucos, percebendo que poderia fazer a muitos felizes, descobriu por si que “ninguém pode evitar os sonhos” e, mais ainda, que “quando a gente está feliz, sente vontade de dizê-lo e até mesmo de gritá-lo”. Tistu estava feliz com o que fazia, pois percebia que “as flores não deixam o mal ir adiante” e era isso o que ele estava aprendendo e fazendo.
No hospital, ao visitar uma pobre menina que perdera a esperança de andar, Tistu percebe que para sarar “é preciso que ela deseje ver o dia seguinte” e tocou o seu polegar em todos os lados da cama, fazendo surgir ali botões de flores que, segundo ele, causariam surpresas diferentes e agradáveis a cada dia; assim, todas as tardes seriam de expectativa para aquela menina que ansiaria ver o dia seguinte que traria a surpresa dos botões de flores sempre diferentes uns dos outros.
E, ante a alegria devolvida à menina, Tistu conclui “que a medicina não pode quase nada contra um coração muito triste. Aprendi que para a gente sarar é preciso ter vontade de viver” e que “…para cuidar direito dos homens é preciso amá-los bastante”. Num certo ponto, notou que “a menina já não olhava o teto; ela contemplava a flor. De noite suas pernas começaram a mover-se. A vida era boa.”
A cada dia de lição com professores diferentes, Tistu voltava ao seu primeiro mestre, Bigode, que elogiava mais e mais o aprendizado do seu aluno. Os habitantes de Mirapólvora ficaram tão extasiados com o surgimento do inexplicável fenômeno que decidiram mudar o nome do lugar para Miraflores.
Contudo, uma guerra estava na iminência de eclodir e, por ironia, o bondoso Senhor Papai, pai de Tistu, era dono de uma fábrica de canhões. Conhecedor dos males da guerra, Tistu resolveu boicotá-la, fazendo crescer roseiras nas armas que seu pai venderia para os beligerantes. Quando um soldado atirava, não era um projétil que saia, mas uma flor; quando um canhão era acionado, bouquet’s de flores eram jogados nos oponentes. Como manusear a baioneta, se nela estavam agarradas ramagens lindas? Guerrear assim não teria sentido.
Ninguém mais comprou armas ao Senhor Papai que, quase indo à falência, teve uma idéia surpreendente: transformar a velha fábrica de armas em uma nova fábrica de flores, convencido de que “fazer brotar flores dentro dos canhões perturbava profundamente a vida das pessoas grandes”.
Druon surpreende o leitor, dando um novo rumo à história. Neste interstício, Bigode morre e, conversando com o seu pônei, Ginástico, para quem “dizer a verdade era um princípio”, Tistu descobre que “as pessoas grandes não querem chorar, e fazem mal, porque as lágrimas gelam dentro delas e o coração fica duro”. Frente ao mistério da morte do seu querido professor, o menino ouve de Ginástico que “a morte zomba dos enigmas. Ela é que os propõe” E, depois de tentar ressuscitar em vão o seu mestre, fazendo surgir em sua sepultura flores e mais flores, Tistu fica sabendo que “…a morte é o único mal contra o qual as flores nada podem”.
Decide, então, plantar duas grandes, vigorosas e altas árvores, fazendo uma escada para o céu, já que lhe diziam que Bigode tinha ido para lá. Subindo por entre as trepadeiras que fizera surgir por entre as árvores, Tistu sobe mais e mais, até ser arrebatado por umas nuvens brancas e macias. Eram o bigode do Bigode. Assim, Tistu descobre, então que não era um menino, mas “era um anjo”. E que Bigode talvez fosse Deus que o ensinou a arte de viver: buscando a felicidade própria na felicidade dos outros.
Sugiro a leitura aos pequenos e aos grandes. A estes em especial, para que conceitos rígidos e bastante dispensáveis sejam revistos e passados pelo crivo do bom senso, pois, para Druon “idéias pré-fabricadas são sempre idéias mau fabricadas”
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