O homem do rádio
No poente um sol de fim de tarde emoldurava o Serrote do Quati que cortava uma paisagem de saudades e cheiros da casa paterna. As brincadeiras de amarelinha e mata-mata enchiam a rua e as calçadas de crianças e sossego esporadicamente interrompidos pelo barulho de algum automóvel desavisado que passava no rumo das ruas Santo Antônio e Sete de Setembro. Os gritos infantis eram displicentemente vigiados por olhos adultos largados em cadeiras de balanço que cochichavam causos e inocentes mexericos de vizinhos e amigos. No fundo o som das difusoras tangido por ventos soprados da zona sul trazia vozes oscilantes de locutores e músicas misturadas de letras e melodias.
Assim foi meu primeiro contato com o mestre Zé Adegildes. Minha vocação jornalística ainda não tinha desabrochado, mas já começava a cultivar uma identificação com o mundo mágico da mídia. Em frequentes momentos, nos fins de tarde e bocas de noite, sentada no batente da casa da rua Dr. Coelho, alimentando uma íntima saudade das Impueiras, o som de músicas da Jovem Guarda soprados pelas difusoras da NPR trazia uma alento abafando tristezas e alimentando apostas em futuros incertos. Uma alegria que se somava a euforia que, em outros momentos, me encantava e me transportava para dimensões oníricas quando frequentava o estúdio da Rádio Alto Piranhas nos programas da Erenilza Pereira e Dulcílio Elias.
Mais tarde, formada em Comunicação Social, começo a militar na imprensa cajazeirense e vou me inteirando da dimensão e da relevância de figuras como Zé Adegildes, Mozart Assis, Dom Zacarias. Homens, quase mitos, essenciais na construção de uma história da radiofonia cajazeirense e sertaneja. Personagens que emergem das brumas de um tempo de heróis que imprimiam suas marcas e traços em aventuras. Quando as ondas hertzianas antecipavam o tempo, encurtavam os acontecimentos e alimentavam a promessa de um admirável mundo novo Zé Adegildes, tal qual um Dom Quixote construindo castelos de sonhos em forma de antenas, receptores, notícias, amplificadores, transistores e, sobretudo, gente, espalha emissoras de rádio e difusoras pelas ruas e campos paraibanos e cearenses.
Difusora Rádio Cajazeiras, Rádio Vale do Salgado, NPR são alguns dos empreendimentos que trazem sua marca e fincam sua memória como um pioneiro de um tempo em que a ousadia, a improvisação e a criatividade eram ingredientes essenciais das aventuras marcadas pela modernidade.
Na década de 1980, quando interdições políticas e veladas censuras limitam nossa atividade jornalística, eu o companheiro José Anchieta estreamos um programa jornalístico na NPR. Sempre sob a discreta vigilância de Zé Adegildes transformamos o acanhado estúdio do serviço de som da zona sul da cidade em um espaço aberto para a veiculação dos fatos com a possível isenção e o máximo de compromisso ético com a informação enquanto instrumento de formação política e de desenvolvimento intelectual e crítico.
Hoje, quando Zé Adegildes é saudade, o nosso tributo a um homem e a um tempo de romantismo, esperança e ideais que movimentaram homens e transformaram o espaço em rotas de informação, diversão e encurtamento de tempos, distâncias e sonhos.
Boa memória, Zé Adegildes.
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