O absurdo vira lei
Por Mariana Moreira
A aprovação, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei que institui o Homeschooling traduz mais uma expressão da profícua jornada de desmonte que vem sendo conduzida contra o Estado e, sobretudo, contra as políticas públicas que, no curso das lutas e mobilizações de segmentos sociais, foram sendo conquistadas como possibilidades de acesso a direitos e serviços, considerados necessários ao exercício do existir.
A primeira excrescência política que a aprovação do projeto de lei representa é sua própria designação. A subserviência e a submissão ao que chega de fora como o “melhor” somente porque traz na etiqueta a procedência de uma nação poderosa e dominante revela nossa incapacidade de construir nossa autonomia de nação soberana. Não designar o que isso significa, em nossa língua, revela as intenções nada sutis de mascarar o sentido verdadeiro da intenção.
Ou seja, Homeschooling nada mais é do que a institucionalização e a oficialização de que, a partir de agora, serão os pais os únicos responsáveis pela escolarização e oferta da educação escolar em suas primeiras fases. E que isso dar-se-á no espaço doméstico, sem nenhuma ação ou interferência do poder público e de cientistas que, ao longo de anos de pesquisa e investigação, analisaram e analisam, construíram e constroem propostas de livros didáticos, de formatação de currículos, de formação docente, de construção de espaços físicos e culturais onde o ato de aprender seja, minimamente, uma possibilidade de também se fazer aprendiz de vida, de dignidade, de cidadania.
Sem uma organização e uma composição que determine e defina modelos e padrões para a educação de crianças e adolescentes, esta será estabelecida como opção individual, gerando uma profusão de processos, atitudes, determinações que, no final, resultará na grande catástrofe da fusão entre educação escolar e formação familiar.
Outro aspecto que se dilui no pomposo nome estrangeiro dessa excrescência é o fato de que, restrito ao ambiente privado do lar, a educação infantil deverá ser, novamente, colocada como atribuição das mulheres/mães retomando e reforçando conceitos já bastante questionados e superados de que “a natureza feminina dócil, gentil e marcada pelo cuidado é plenamente compatível com a tarefa da educação”. E aí, serão as mulheres que, na invisibilidade do lar, terão redobrada suas jornadas, terão desconfiguradas suas atividades profissionais, compreendidas apenas como inerentes ao feminino e ao materno.
E, assim, entre estrangeirismos de nomes e excrescências de ações e intenções vamos desconstruindo o que, minimamente, tinha sido erguido como alicerce de uma sociedade que, nas tensões, conflitos e arranjos, estava ensaiando passos da caminhada na direção de um país mais humano e com a extensão de direitos e serviços para uma maior parcela de sua população.
E que não esqueçamos a lição do mestre Paulo Freire: “O professor é, naturalmente, um artista, mas ser um artista não significa que ele ou ela consiga formar o perfil, possa moldar os alunos. O que um educador faz no ensino é tornar possível que os estudantes se tornem eles mesmos”.
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