Lugares comuns
Os lugares comuns são expressões, falas e palavras que, de tão corriqueiras e usuais, acabam convertendo-se em âncoras para nossa fala cotidiana. E como se desvencilhar dos lugares comuns se eles impregnam nosso cotidiano. Mas não são apenas expressões, falas e palavras que se tornam coloquiais. Situações também se convertem em lugares comuns. Querem um exemplo: em qual localidade perdida por esses rincões de sertões que não existe uma velha oiticica na beira de um rio ou na curva da estrada e onde todos juram existirem visagens e malassombros que, em noites de tenebrosa escuridão, se apresentam aos caminhantes menos corajosos?
No Riacho de Impueiras existia uma oiticica conhecida pelos mais antigos como a oiticica de Zé Farias e, para os da nossa geração, como a oiticica de Pedro Paulo. Muitos assumem na mais plena convicção que foram agraciados com a apresentação de visagens e fenômenos nada normais ao transitarem por esse trecho do caminho. Alguns, mais afoitos, afirmam que as visagens são tão ousadas que não temem sequer a luminosidade do dia e, com sol a pino, fazem suas estripulias e assombram os viventes mais medrosos. A oiticica de Pedro Paulo não mais existe. A ignorância humana a destruiu com o argumento de que precisava do naco de terra que suas frondosas ramagens cobriam para produzir alimentos. Ledo engano. A centenária árvore foi derrubada e a terra foi coberta de tipi, unha de gato, jurema. As visagens e malassombros migraram para outras paragens. Não deixaram endereço. Apenas as reminiscências contadas como causos nas esparsas bocas de noite que a televisão permite reunir nas varandas e alpendres das casas.
Também no Riacho de Impueiras existe outro lugar comum: a ladeira do barro vermelho de Abel. Muitos comprometem honra e a própria mãe como garantia de terem presenciado a manifestação sobrenatural neste trecho do caminho. Durante algum tempo até mesmo lobisomem era topado de vez em quando por algum transeunte. O lobisomem, no entanto, não contava com a bravura e o destemor de Seu João Bubu que, de faca na cintura caminhava mansamente pela ladeira do barro vermelho em, noite de lua cheia. Voltava para casa após um dia de lida exaustiva. De repente, o presépio se lança em sua frente e, para fazer justiça à tradição, acompanhado de alguns cachorros que com seus latidos alvoroçados emprestava um clima apavorante a cena. Com sua habitual calma, João Bubu não conta conversa e, puxando a peixeira da cintura, investe contra a enigmática criatura que, num lance de desespero e sobrevivência, apela: Compadre, não me mate! A identidade do lobisomem João Bubu levou para o túmulo e ele não mais deu o ar da graça na ladeira do barro vermelho que ainda continua sendo palco de cenas que a nossa frágil racionalidade e fértil criatividade não são capazes de traduzir em explicações lógicas. E se você duvida, vá caminhar na calada da noite pelo barro vermelho de Abel. No mínimo, um friozinho na espinha e um arrepio inexplicável te contagiarão.
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