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Mariana Moreira

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Haicais de memórias

31/01/2020 às 08h25

Coluna de Mariana Moreira

Uma cara lembrança de minha infância é meu pai produzindo nossos cadernos escolares.

Uma produção que tinha como matéria prima uma grossa e tosca agulha, fios de barbante e folhas de papel de embrulho. Papel adquirido, a preços módicos, na Bodega de Salustiano e, depois, de seu genro Zé Morais. Papel que era cortado no tamanho adequado da folha de caderno, manual e diligentemente costurado. Capas eram desnecessárias pela inexistência de utilidade e de material para tal. Canetas também eram desnecessárias pela ausência de condições para aquisição. O que existia, com parcimônia, era o lápis “comum”, apontado com amoladas facas de cozinha ou tocos de “giletes”.

Ah, mas como eram queridos e ansiosamente aguardados aqueles cadernos, vistos como relicário e sentido de quem ousava transgredir a “ordem natural das coisas”, que determinava serem filhos de pobres inatos condenados ao analfabetismo e a rudeza.

E os cadernos e filetes de minha infância se debulham na minha frente por esses dias quando, em João Pessoa, vou participar do lançamento do livro Haicais, da escritora Maria Valéria Rezende. O livro integra o Projeto LevePalavras, que tem como proposta fincar trincheiras de resistência nestes tempos em que o fascismo se naturaliza como política de estado e como regra de convivência social, cultural, política.

Assim, Haicais é produzido artesanalmente, com uma encadernação única, feita a mão, costurado com linhas que, reais, ganham a dimensão da poesia e da fantasia. Um projeto que tem a identidade de Dani Rabelo e Valeska Ásfora e nos convida a fincar parcerias com saudades, arengas e lutas.

E, os versos densos dos haicais de Maria Valéria Rezende podem e devem ser partilhados com nossos poemas, nossas agendas, nossos horários de dentistas, o telefone de um amigo, uma receita de bolo, ou apenas um singelo desenho de estrelas ou de bentevis, arribaçãs, xexeús em voos na direção de ontens, ou amanhãs.

Assim, o que é uma obra de arte literária torna-se uma obra de arte da vida e, como para mim, passaporte para lembranças e estímulo para não esquecer que o porvir se faz de nossas antigas e próximas memórias.

E aqui deixo meu haicai em celebração a Maria Valéria Rezende, a Dani e Valeska e aos que sonham mesmo nas tortuosas trilhas da incerteza:

Abri o caderno
Não vi letras
Mãos inventando vidas.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

Mariana Moreira

Mariana Moreira

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