Estrangeirices mariana II
Por Mariana Moreira
A qual deserto pertence essa flor?
A pergunta se forja e agrega-se as estrangeirices marianas quando me sinto integrante de uma ínfima minoria de pessoas que não traz como item indispensável de sua casa um jarro com a flor do deserto.
Não consigo precisar o momento e as circunstâncias em que a flor do deserto ganha a posição de planta decorativa necessária, prioritária e exclusiva em todas as casas. Mas, como as enxurradas que, nas madrugadas sertanejas, alargam riachos e córregos de barrentas águas benfazejas anunciadoras de fartos tempos de inverno, a flor do deserto vai ocupando todos os requisitos de espaços e prerrogativas de bom gosto paisagístico.
E fotos abundam em redes sociais com relatos, alguns pueris, e tantos outros repetitivos e inócuos, da beleza da flor desabrochando, do seu colorido, de sua excentricidade. Alguns, mais afoitos, rasgam relatos olímpicos sobre a aventura de ter a mais bela variedade da espécie.
E me contagio por um sentimento dinossáurico ou, como me ensina o amigo Frassales, de minha “rabugice de velha”. Assim, em tempos de modernidades e de modas efêmeras, sem raízes fincadas e sem referências de tempos, memórias, sentidos, me isolo e encontro abrigo na verdejante moita do pé de bugari de minha infância e na titânica peleja de minha mãe com as formigas de roça que, sobretudo, na calada da noite, insistem em devastar suas folhas, desenhando verdes caminhos na direção dos formigueiros.
Encontro pouso em uma tímida touceira de rosa mélia cultivada no oitão de casa e cujo desabrochar de suas róseas flores é ansiosamente aguardado para enfeitar o acanhado jarro que compõe o cenário da pequena mesa de orações, preparada para o novenário do mês mariana. E a delicia de ver o suave despetalar quando a maturidade determina a substituição da beleza pela sequência do tempo.
Me consola e anima a singela simpatia que, majestosamente, brota nas primeiras chuvas, enroscando-se e enramando por frestas das cercas de vara e cobrindo curvas e dobras de estradas e vidas de minúsculas flores rosas. Simpatia, bunina, lágrima de Santa Luzia, rabo de rato e, até mesmo, a gitirana. Flores nossas ou aqui aportadas em tempos outros. Flores que, jogadas ao ostracismo pela modernidade da flor do deserto, florescem em cantos de jardins, em improvisados jarros de lata de neston ou em beiços de estadas e me atualizam a imagem e o cheiro da rosa mélia aquecida pela pálida e bruxuleante luz da vela fincada num modesto castiçal a iluminar ladainhas, novenas e bênçãos em noite de maio.
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