Espirros de Ano Novo
Por Mariana Moreira – A expectativa do primeiro dia do Ano Novo era a chegada de Seu Zé Nicolau. Um senhorzinho de andar ritmado, fala mansa e olhos de uma intensidade que penetrava a alma. Logo cedo ele começava a percorrer as residências de Impueiras e adjacências, trazendo o seu bom dia, partilhando uma xícara de café, um pedaço de bolo e dois dedos de prosa.
Mas, de verdade, a presença de Seu Zé Nicolau era aguardada por ser ele o guardião de uma tradição de Ano Novo. No bolso de sua camisa de mesquita sempre vinha o inseparável estojo onde ele guardava o seu estoque de rapé. E como era ansiada sua chegada em cada residência. Porque, pela tradição, quantos mais espirros você desse no primeiro dia do ano, mais prolongada estava sua existência por essas paragens. E, quando a natureza, por si mesma, não acionava o mecanismo do espiro, uma pitada de rapé no nariz era a segurança de uma cadeia de espirros que assegurava uma esticada vida por anos múltiplos.
E, mais importante, é que o ritual não se resumia a sequencia de espirros, mas o partilhar de esperanças, a troca de afetos e, sobretudo, a atualização dos fatos e eventos do cotidiano da comunidade. Mas, a prosa mais frequente era, mesmo, saber o resultado das experiências que antecipavam as previsões das chuvas, sobretudo, a barra do Natal e a ocorrência de precipitações na derradeira noite do ano. Isso porque a própria existência na região estava intimamente associada ao registro de um regular período de inverno. A ocorrência das secas trazia a antecipação da morte, a sina do degredo e da retirância, o destroçar de vidas, de famílias, de patrimônios materiais e culturais que se dissipavam nas tardes quentes e secas das estiagens prolongadas.
E Seu Zé Nicolau dividia com todos suas porções de rapé no primeiro dia do ano.
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E, em cada residência o dia primeiro do ano reunia famílias para um almoço farto com galinhas, farofa, “arroz de festa”, um refrigerante comprado na bodega mais próxima e resfriado ao pé do pote, envolto em uma estopa que era, com uma frequência rítmica, molhada para garantia o resfriamento da bebida.
Práticas e costumes que se repetiam como reprodução da própria vida do lugar, com legados herdados dos antepassados e repetidos na reverência do sagrado que ainda reverberava do recente Natal. Nada de ceias fartas e industrializadas, de saltos em ondas longínquas, de guardar sementes de romã em carteiras. Mas, tudo girando em torno do que, em cada casa e em cada pessoa, existia de humano e verdadeiro: o ser gente.
E, mesmo Seu Zé Nicolau não mais ofertando sua pitada de rapé, já procurei outros apetrechos para estimular meus espirros de ano novo.
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