Elegia ao Índio Pintor
Ao primeiro som do clarim que anuncia o reinado de Momo ele improvisa desajeitados passos de frevo e espraia pelo rosto sorrisos e alegrias de carnavais que irradiam por artérias, veias, vísceras desejos de fantasias e frutuosos dias de delírio.
Do armário uma atualizada fantasia de índio com penduricalhos herdados como tributos de idos carnavais se transforma na mais constante companhia de dias que só findam quando o sol da manhã de cinzas espraia seus raios sobre a praça e afugenta para lembranças e ontens o que hoje é enlevo.
E o índio que, durante o ano, se metamorfoseia num simples pintor de paredes, carregando, entre pincéis, tintas, cores e suores, as dores, dissabores e amores de uma existência de homem comum, ganha projeção de notório cidadão. O nome de batismo perde relevância. E todos o conhecem por Índio Pintor. Nome e sobrenome lavrado na mescla da folia com a labuta.
O carnaval muda de ritmos, de espaços, de feições. Novas vozes, outros gingados. Nas ruas, blocos e caras sujas desaparecem, ou murcham, ante a impiedosa e avassaladora força de trios, colunas sonoras, “sertanejos mancos” em guetos, becos, ruelas. Resistem minguadas praças e becos por onde frevos, marchinhas, reggae, rock and rool teimam em sonorizar carnavais de ontens.
E lá está o Índio, em sua improvisada indumentária de legítimo dono dessas terras de Santa Cruz. Por mais de meio século, arrastando, presencialmente, ou no imaginário, cordões de foliões ávidos por sonhos de liberdade, de alegria, de prazer. Novos índios, piratas, bailarinas, pierrôs, arlequins, cangaceiros, novidades de heróis televisivos vão se somando ao seu bloco. Mais a frente, a Escola de Samba da zona Sul, de João de Manezim engrossa o corô. Jaraguás, tambores, clarins puxam afoitos e animados brincantes.
Mas, mesmo os eternos foliões são mortais.
A tarde morna de junho é invadida pelo frevo de Junior Terra. O ataúde do Índio se despede das principais ruas da cidade. Mesmo contrariando as orientações, uma pequena multidão segue o cortejo. Na frente uma solitária brincante ensaia passos de carnavais de outrora. Nas calçadas olhares compungidos dançam frevos, sambas, marchinhas, maracatus, forrós, xotes.
Agora, por todo o ano, os pinceis do Índio não mais borrarão paredes de novas tintas e novas cores. Nos carnavais vindouros sua presença vai se esfumaçando nas memórias de alguns, enquanto novos ritmos e novas modas vão resinificando o carnaval, e, porque não, a própria vida.
E o Índio, em sua última incursão pelo carnaval da vida, vai cantando:
A nossa vida é um carnaval/ A gente brinca escondendo a dor. (…) Vê turbilhão dessa vida passar. Vê os delírios dos gritos de amor. Nessa orgia de som e de dor. (Turbilhão -Moacyr Franco)
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