Cópia virtual é real?
O intangível não é irreal. Apesar de não se poder tocar, cheirar ou saborear, o intangível é real. As lindas melodias de uma música são intangíveis, ou seja, não se pode pegar e guardar, mas se ouve e gera sensações, emoções, sentimentos e afeta nosso estado de espirito. O mesmo vale para as cores e paisagens.
A humanidade sempre buscou formas de armazenar essas percepções não materiais para poder repetir a experiência sempre que desejasse. Assim surgem as tecnologias de aprisionamento do intangível. Esculturas religiosas tem essa função. Assim a tecnologia artesanal evolui permitindo aos seus artistas exprimir toda sua fé na pintura, escultura e arquitetura. Esses objetos são como recipientes do sentimento do autor e também das sensações que elas são capazes de provocar.
Essa habilidade de armazenar o imaterial em algo material sempre foi considerado um poder. As imagens e objetos religiosos davam poder a seus donos e foram amplamente utilizadas por reis e rainhas e essencialmente todas as religiões.
A invenção da prensa tirou o poder da Igreja Católica de ser a única replicante da Bíblia. Antes de se poder imprimir quantas cópias se desejassem a Igreja detinha o poder de fazer as cópias manualmente e distribuir essas cópias para quem ela determinasse. A prensa acabou com esse monopólio. Não só se podia distribuir mais Bíblias, como também não havia como impedir sua tradução para todos os idiomas.
Nesse sentido a fotografia também foi um salto tecnológico imenso porque não era necessário ser um artista, ter o dom da transcendência emocional e a habilidade manual para criar um objeto que pudesse servir de recordação e também gerar emoções. Bastava ter a máquina para fazê-lo. A extrapolação do imaginário humano já definiu a fotografia como a “captura da alma”, como uma “cápsula temporal” e até mesmo como algo diabólico, mas o seu maior impacto mesmo foi a facilidade, rapidez e economia para se fazerem cópias.
A ideia de se poder reproduzir milhares de cópias idênticas de forma rápida e barata revolucionou o cotidiano. Pode-se enviar recordações de momentos especiais para toda a família e amigos distantes.
Mas cópias materiais tem custos. Primeiro há o material envolvido, como papel e químicos de revelação nos casos das fotografias. Há também o custo humano de fabricação das cópias, além do custo de distribuição. Essas cópias precisam ser enviadas fisicamente para seus destinatários. E todos esses custos são escaláveis, ou seja, quanto mais se fazem cópias, maiores os custos.
Mas há também o custo de propriedade, de autoria. Quem produziu a obra original merece ser remunerado de alguma forma ou ele não poderá sobreviver de sua arte e não poderá continuar a usar sua habilidade, seu dom para criar novas fotografias que encantam milhões. A mesmo lógica se aplica aos pintores, músicos, escritores, atores e essencialmente todos os que podemos considerar como artistas.
Mas como estabelecer propriedade sobre algo intangível? Não se pode impedir uma música de ser cantada livremente. Pode sim.
A lógica capitalista entorta até o mundo etéreo para poder ganhar dinheiro. Se propriedade é algo material e físico que pode ser contido e tem valor, então as ideias também podem. E numa licença mais que poética eles inventaram a “água seca”, a “luz escura”, a “altura baixa”: chama-se Propriedade Intelectual.
Inclusive colocam o Estado para cuidar disso através do sistema de marcas e patentes. Agora ideias, sons, e até movimentos podem ser previamente designados a um autor que passa a ter o direito de impedir que outros os usem, reproduzam ou comercializem. A desculpa inicial é boa: temos que garantir que os autores e produtores tenham sua remuneração garantida para poder produzir mais. Inicialmente as ideias ficavam protegidas por 3 anos.
Mas desde quando o capitalismo esta interessado em proteger os interesses dos trabalhadores? Assim o sistema de Marcas e Patentes serve a seu propósito de vender permissões de uso sob licenciamento. Essencialmente paga-se pelo direito de usar a ideia e essa permissão pode ser copiada e vendida milhões de vezes sem custo algum, gerando riquezas enormes a partir de um único trabalho. Atualmente o poder do capital vem estendendo o prazo de proteção, e obras como os desenhos da Disney já vão com mais de 50 anos e nada indica de que vá acabar.
A ganância humana em sua forma mais horripilante.
Entende-se naturalmente que quando se transfere a propriedade de algo para outra pessoa, a pessoa que a transferiu, perdeu o bem em questão. Mas quando se trata do imaterial, não há perda alguma para o fornecedor. Richard Stallman resume isso de forma brilhante: “Se você tiver uma maçã e eu também tiver uma outra maçã e nós trocarmos de maçãs, cada um de nós continuará com uma maçã. Mas se você tiver uma ideia e eu também tiver uma outra ideia e nós trocarmos ideias, cada um de nós passará a ter duas ideias”.
Os códigos de computador não são diferentes: ao copiá-los o autor original não perde nada. Mas o capitalismo se encarregou de criar as leis e órgãos de controle para se certificar que ninguém esteja usando uma “cópia pirata” e paguem pelas suas licenças de uso gerando seus bilhões de dinheiros.
Pirataria não é mais a ação dos antigos corsários atacando navios, foi redefinido como a ação de copiar e reproduzir produção intelectual sem pagar as licenças. Um conceito amplo e medonho criado para gerar medo nas pessoas. Sem nenhuma clareza sobre seu alcance, forma e punições, todos ficam à mercê da interpretação das leis confusas que podem ser aplicadas sobre quem a comete. É o famoso FUD: medo, incerteza e dúvida, que gera uma resposta social de insegurança, fazendo com que as pessoas evitem de fazê-lo, mesmo sem ter certeza do motivo exato.
Eu prefiro um mundo onde podemos trocar ideias livremente para o bem de todos sem medo de ser preso ou processado. Tenho alma de corsário! Será?
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