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Mariana Moreira

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Carta ao Haddad

03/11/2018 às 10h37

Bom dia, Fernando.

Desculpe a intimidade, mas aprendi, ao longo de uma belíssima jornada da campanha eleitoral, a partilhar de sua amizade, mesmo sem conhecê-lo.

Estive ao lado dos milhões de brasileiros que te adotaram como possibilidade de dignidade.

Brasileiros como o cambista da banquinha de jogo do bicho que, diariamente, em frente aos Correios, me pedia notícias sobre a campanha do nosso “Andrade”. E do seu colega, vendedor de picolé, em quem, em reiterados momentos, vi nos olhos o medo do atraso e do retrocesso se concretizando nas ameaças do fim da aposentadoria e de programas de inclusão social que nos traziam dignidade e cidadania.

Desculpe a indelicadeza. Deixe me apresentar. Como você, sou professora. Sou servidora pública federal da área da educação. Desde 1993, trabalho na universidade pública, como docente. Trabalho que se traduz e se expressa muito além da sala de aula. Assim, coordeno projetos de extensão e de pesquisa. Trabalho em atividades administrativas e de representação. Por decorrência da natureza do meu trabalho, participo, pelo menos três vezes por ano, de eventos científicos, apresentando trabalhos. Semestralmente, oriento alunos em trabalho de conclusão de curso e, frequentemente, estou escrevendo artigos, livros, capítulos de livro.

Então, quando vejo um presidente eleito anunciando que eu, enquanto servidora pública, sou responsável pela dívida pública do país e que meu salário é a causa disso, não tenho outro sentimento que não o de tristeza e indignação.

Não estou falando de pessoas e situações desconhecidas. Estou falando de mim, e de tantas outras companheiras e companheiros que comigo dividem o espaço da educação e de outros serviços públicos que são essenciais para assegurar, minimamente, o acesso de parte significativa da população a saúde, a educação, a segurança, ao transporte, a moradia, a aposentadoria, como direitos humanos e não como mercadorias expostas pela sandice do mercado que desumaniza e converte gentes em preços e códigos de barra.

Sentimento de tristeza porque não sou uma estranha ou estrangeira.
Portanto, Fernando, todos que me conhecem sabem que defendo a liberdade e a justiça, mas sei que são valores e construções históricas. Então, votar em um déspota com o argumento de que vai contribuir para por ordem no país à custa da dor e do sofrimento de milhões de pessoas, cujo único objetivo é o de viver em um país mais justo e humano, me soa como a mais escancarada desfaçatez e hipocrisia.

Caríssimo Fernando, não sou vagabunda.

Como professora, tenho por obrigação de ofício conhecer a história e, sobretudo, como professora de Sociologia, entendo como as articulações e alianças políticas, sociais, culturais tecem e desenham a realidade social.

Então, Fernando, rogo aos insanos que guardem seu ódio para seus inimigos. Só quero um país onde mulheres, negros, gays, lésbicas, trans, pobres, indígenas, estrangeiros, me olhem como um igual, jamais como alienígena.

E é por este país que me mantenho na luta e, como você nos instigou, ao reconhecer a derrota nas urnas (mas não em nossas convicções), precisamos de coragem e altivez.
Altivez, inclusive, para compreender os que, na pequenez de suas mesquinharias, confundem seus adversários e transformam irmãos, parceiros, iguais, em inimigos, a estes devotando todo o mal que um tirano anuncia em nome de uma moralização hipócrita.
Não peço desculpas pelas minhas palavras. São meus sentimentos.

E não costumo me esconder atrás de biombos como “Deus”, “família”, “amor”.

Para mim, Deus, amor, família têm outras traduções e outros sentidos e sentimentos.

Por hoje são somente essas “más traçadas linhas”, caríssimo Fernando.

Mas estaremos juntos em tantas outras trincheiras que cavaremos com a força da nossa resistência.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

Mariana Moreira

Mariana Moreira

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