Caos e esperanças
Como organizar a vida no caos? Essa se apresenta como a mais recorrente questão existencial que pulula em nosso cotidiano pandêmico. Abraços? Visitas frouxas e ocasionais? Rotinas de trabalho?
Ora, afetos presenciais são abruptamente banidos de nossas necessidades culturais de humanidade. Trabalho, lazer, comportamentos banais saem de cena. O desafio de inventar a normalidade na desordem se configura, em frequentes momentos, assustador e imponderável. Nos tornamos tontos e apalermados ante a reinvenção do viver.
Pegando carona na poesia bandeiriana nada enxergamos, desenhando em nossos horizontes apenas sombras e incógnitas.
A sombra imensa, a noite infinita enche o vale…/ E lá no fundo vem a voz. / Humilde e lamentosa. / Dos pássaros da treva. / Em nós, / – Em noss’alma criminosa, O pavor se insinua…
Tudo porque, numa proporção visceral, por todos os recantos do planeta, a sombra invisível de uma ameaça se espalha feito rastilho de pólvora. Vozes alarmistas antecipam a Batalha do Armagedom. O bem e o mal se perfilam em anunciações apocalípticas. Agora, com a garantia do espetáculo midiático que naturaliza a morte em dantescas cenas de covas rasas perfiladas em leiras e campos sepulcrais onde olhos longínquos espiam saudades e lágrimas.
Busco em José Saramago inspiração para o entendimento do que se amostra para nós como impensável em tempos naturais. Ao transformar em mantra evocado a todo instante que “o caos é uma ordem por decifrar” vou tateando possibilidades de invenção de agires e procederes.
Mas, o que, até o momento, se apresenta para mim como a mais contundente lição da pandemia é a capacidade de reinventar a esperança. Não a esperança piegas de que um novo tempo virá mais humano, mais justo, mais fraterno. Minha esperança reside na minha capacidade de crença na possibilidade de que seremos herdeiros e relicário de uma tormenta que, turvando nosso horizonte, mostre filetes de clarão no horizonte da humanidade.
É nessa esperança que me agarro, como náufraga fincando os tocos de unha na tábua minúscula que restou do naufrágio. Esperança de que olharemos por outros prismas os homens, os bichos, as plantas. Olhares que desenharão em nossos horizontes linhas de outras maneiras de viver.
Ah! dirão, “bobagem de esperança!”. Mas a ela me agarro, como me alimento dos versos de Adélia Prado, para gritar, mesmo que pela pequena fresta da janela entreaberta para o mundo isolado:
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe, / os sítios escuros onde nasce o “de”, o “aliás”, o “o”, o “porém” e o “que”, / esta incompreensível muleta que me apoia.
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