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Mariana Moreira

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Às favas os heróis

25/09/2020 às 10h00

Coluna de Mariana Moreira

As imagens se repetem com abundância. Professores em situação de precariedade material, emocional, pedagógica desenvolvendo suas atividades em salas de aula improvisadas em plataformas e outros engenhos que a tecnologia da informática inventa. Muitos trazendo na experiência de vida e no semblante de olhos cansados e rostos vincados a dor da morte presente na ausência de familiares, parentes, amigos, alunos, contagiados mortalmente pelo vírus.
E as imagens que trazem e marcam a audiência de veículos de comunicação mostram professores, homens, mas, sobretudo, mulheres, em arranjos os mais inusitados e estapafúrdios. Celulares, muitos toscos e rudimentares, atados em cabos de vassoura travestidos de tripés como a única ferramenta para alcançar alunos que, em condições materiais e tecnológicas precárias, estão submetidos a uma exigência de transparecer normalidade quando a pandemia anuncia como principio basilar de sua ação a revolução da normalidade.

Alunos que, via de regra, pertencem as camadas sociais mais vulneráveis onde, nas condições de normalidade, para muitos, a refeição de mais sustança que recebem por dia é a merenda escolar. Agora, muitos com pais, na normalidade diaristas, camelôs, autônomos, engrossam as estatísticas de desempregados ou padecem nas filas aviltantes de instituições bancárias na cata de míseros reais cedidos com o eufemismo macabro de auxílio emergencial.

E as imagens se repetem na mídia trazendo, de forma explícita, o discurso da personagem e do papel do professor e da professora como ungidos da “missão” de redimir os homens do obscurantismo e da ignorância. “Missão”, “dom”, “extensão da maternidade” são adjetivações que, com recorrência, enfeitam e reforçam essas imagens que, sutilmente, mas de forma eficiente e incisiva, vão alimentando o imaginário popular. E assim, ser professor é ser missionário, é levar “a boa nova” aos descrentes de letras e “cultura”, os trazendo à civilização do consumo.
E a compreensão do professor e da professora como trabalhadores é totalmente borrada. Ora, para que considerar míseros salários pagos, na maioria das vezes, atrasados e que, tão invisível as necessidades mínimas de sobrevivência, os obriga ao malabarismo da tripla jornada de trabalho? Ora, para que considerar as condições materiais de funcionamento das escolas, muitas estruturadas apenas como a soma de cômodos onde quadro e carteiras são os únicos equipamentos e recursos materiais e didáticos a disposição para a ministração de aulas? Ora, para que considerar a inexistência de bibliotecas, laboratórios e outros meios necessários a vivência do processo educacional como forma de construção de humanidade e emancipação humana?

O que conta nas imagens que alavancam audiência são os heróis que, no anonimato, reforçam o discurso do magistério como missão sublime onde a vida e a dignidade se diluem nos super-heróis sujos de giz e escondidos na miséria dos parcos salários, na subserviência política, na ausência de formação.

Ora, as favas os heróis e super-heróis! Queremos somente homens e mulheres na dignidade de suas condições de trabalhadores.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

Mariana Moreira

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