A raiz da intolerância
Como nasce a intolerância? Buscando nos dicionários uma tradução e uma significação para este procedimento encontramos que intolerância é a intransigência com relação a opiniões, atitudes, crenças, modo de ser que reprovamos ou julgamos falsos, ou seja, o comportamento daquele que reprime por meio da coação ou da força as ideias que desaprova. Mas, a pergunta continua aberta: como nasce a intolerância? Em qual solo de ideias, conceitos, concepções ela é fincada e qual seiva a alimenta? Mas, afinal, em qual campo conceitual, filosófico, sociológico, antropológico podemos nos escorar para encontrar respostas para o que a filosofa alemã Hannah Arendt designou de “banalização do mal”.
A questão torna-se urgente quando nos detemos em dois, de uma série de episódios que, diariamente, frequentam os espaços dos nossos meios de comunicação e de outros engenhos que a modernidade produz como artefato de comunicação. Os dois episódios trazem como elemento determinante a aversão mortal alimentada contra o diferente. Uma diferença que se estabelece quando nos posicionamos em um patamar que não o considerado “natural”.
Episódio 01: um jovem de uma cidade mineira é violentamente agredido, tendo parte do corpo queimado em um ritual batizado por seus algozes de “purificação”. Detalhe: o jovem é homossexual e ousou acreditar que, como ser humano e como cidadão de um país democrático, laico, plural, poderia assumir sua vida em plenitude e integralidade. Foi violentamente agredido por “homens de bem” que invertem o mundo de ponta cabeça e, alimentados e estrumados por dogmas e valores morais distorcidos e intransigentes, assumem a postura de arautos da verdade e da razão.
Episódio 2: em outra cidade brasileira uma criança é apedrejada. Seu delito: estar participando de um ritual de candomblé. Uma expressão religiosa que chega a nosso país nos porões dos navios negreiros e, por séculos, foi violentamente reprimida pela intolerância cristã personificada na ação e atuação dos missionários jesuítas empenhados em “cristianizar” o Novo Mundo, convertendo índios e negros em mansos operários da empreitada colonizadora.
Hoje, mesmo quando o Estado laico reconhece e assegura a diversidade de expressões religiosas, são frequentes os episódios de intolerância, preconceito, expurgo, linchamento. Rituais que, com a anuência de consideráveis segmentos da sociedade, começam a ganhar uma dimensão perigosa por serem naturalizados e defendidos como essenciais a uma “purificação” étnica, religiosa, moral capaz de recolocar a sociedade “nos trilhos da dignidade, da decência, dos bons costumes, nos livrando dos pervertidos, dos macumbeiros, dos hereges, das bruxas, bichas, migas, lésbicas, sapatões”.
E essa intolerância leva a tragédias que podem ser dimensionadas, por exemplo, na vergonha do holocausto nazista. Para escapar de qualquer fundamentalismo que alimenta e cultiva a intolerância divido com Mahatma Gandhi a ideia que “a lei de ouro do comportamento é a tolerância mútua, já que nunca pensaremos todos da mesma maneira, já que nunca veremos senão uma parte da verdade e sob ângulos diversos”. Ou, como nos ensina o escritor francês Émile Zola, “no decorrer dos séculos, a História dos povos não passa de uma lição de mútua tolerância, e assim, o sonho último será envolvê-los todos numa ternura comum para os salvar o mais possível da dor comum. No nosso tempo detestar-se e ferir-se porque não se tem o crânio construído exatamente da mesma maneira, começa a tornar-se a mais monstruosa das loucuras”.
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