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Mariana Moreira

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A praça das vacas

13/05/2022 às 20h21

Imagem ilustrativa - reprodução/internet

Por Mariana Moreira

A acanhada praça com seus dois ou três bancos e contadas árvores se perde no movimento de gentes e automóveis do centro da cidade. O burburinho da pressa abafa o solitário canto de um bem-te-vi que faz pouso e, talvez, ninho em uma antena de telefonia.

Mas, de repente, a praça ganha volume e vida. Algumas vacas vindas de não se sabe onde ocupam o lugar e, diligentemente, entre o sol que se eleva na manhã e o vai e vem de gentes e carros, fazem do espaço lugar de pouso e descanso. Indiferente ao estranhamento de alguns mais atentos, que alimentam o espanto por inusitada cena, elas se mantem calmas e tilintam os chocalhos ao movimento do ruminar os derradeiros fiapos de capim furtivamente abocanhado em um descuidado canto de rua.

A praça ganha cheiros de estrume e restos de matos esmagados nas patas, exalados e absorvidos por narinas saudosas de currais e galos que, de peitos estufados e cantos sonoros, traziam melodia e ritmo as noites enluaradas de infância.

E as vacas continuam na praça, algumas horas depois. Agora, diligentemente malhadas, com olhos semicerrados na vã tentativa de neutralizar o estranho que lhes chega em imagens e sons de ligeirezas.

Mais tarde, para tristeza, a praça está vazia. Vestígios apenas as poucas fezes ali deixadas, algumas marcas de urina e esparsos galhos de arvores quebrados e não consumidos. O som dos chocalhos não mais é ouvido. Agora somente buzinas, roncos de motores, vozes difusas, fiapos de músicas inaudíveis e os bancos minguados que dão guarita a um transeunte que, revirando sacolas de lixo, cata a sobrevivência no que descartamos como nada. Cansado de nada encontrar que lhe garanta a subsistência do dia, se joga no banco da praça a ruminar sua desdita vida. Os cheiros dos ocupantes anteriores lhe trazem saudades de uma criança correndo entre fileiras de milho, atrás de borboletas e frutos de melão são caetano. Uma criança de barriga farta e perspectivas possíveis, mas abruptamente abortadas na vida adulta pela desigual forma como homens se dividem e se classificam entre o ter e o ser.

E as vacas não mais retornaram à praça. Encontraram os limites das cercas e currais que lhes inibe os movimentos, lhes tolhe a aventura de caminhar por ruas e praças dando tons de ontem ao presente.

Em outro momento de outro dia, outras vacas, agora mais numerosas, são flagradas cruzado uma movimentada avenida da cidade. Em bando, com as barrigas fartas do capim que cresce abundante na vazante do Açude Grande, caminham diligentemente na direção de um bairro de casas e pedras de paralelepípedos. O destino não importa. Qual curral lhes imporá limites, sem importância. O som do chocalho de algumas, o cadenciado passo, o som dos cascos no íngreme asfalto é o que resta como cena.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

Mariana Moreira

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Professora Universitária e Jornalista

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