A perversa lógica da razão mercantil
Por Mariana Moreira
O filosofo francês Jean-Paul Sartre afirmou, certa vez, que, enquanto persistir o capitalismo como uma forma de organizar a vida e a produção da existência, as ideias e análises do pensador alemão Karl Marx estarão atuais e com plena validade. Uma das mais instigantes explicações que Marx faz do capitalismo é a sua incrível capacidade e disposição de converter tudo em mercadoria e, ao fazê-lo, dotar as mercadorias de personalidade e autonomia de ação e reação diante dos sujeitos sociais que se anulam enquanto reverenciam e endeusam produtos, ideias, teorias, conceitos.
Esse processo Marx chama de “fetichização”. Transformamos em ídolos, endeusamos, convertemos em ideal de vida, objetos como carros, ou estilos de comportamento, moda, celulares. A estes objetos, que atribuímos qualidades, personalidade, caráter, atributos humanos, prestamos nossa reverencia e respeito. Para eles erguemos altares, elevamos preces e imolamos sonhos, vidas, desejos, humanidades. A divinização da mercadoria termina ofuscando a sua principal característica, qual seja, toda mercadoria, concreta ou idealizada em sonhos, ideais, quimeras, é resultado da ação do homem que, através do trabalho, transforma a natureza e se transforma no curso da produção da existência e da sobrevivência da espécie e do planeta.
O desconhecimento desse percurso e, também, da importância do trabalho humano como gerador de mercadorias e de riqueza leva a alienação. Apartamo-nos da nossa própria condição de humanos e, portanto, da capacidade de compreender que somos a única espécie da terra com habilidade para, através do esforço e do emprego de energia humana, transformar a natureza e a nós mesmos. Somos a única espécie que consegue dar significado a nossas ações e atos, nomeando objetos, classificando comportamentos. Mas, isso somente foi possível quando os nossos antepassados começaram a utilizar as patas dianteiras como ferramenta de transformação da natureza e, intermediado por engenhos convertidos da própria natureza, estabelecer códigos e sinais de transmissão de conhecimentos e de comunicação.
A divinização das mercadorias, ao encobrir e negligenciar esse processo, nos leva a aceitar como natural a afirmação, feita de forma categórica e enfática, por um graduado dirigente da Universidade Federal de Campina Grande, acerca da discussão sobre a definição do calendário acadêmico, após o término da greve. Na refrega acerca de como seriam estabelecidos os períodos de férias dos docentes (direito constitucionalmente conquistado) o dirigente afirmou que essa questão deveria ser pensada tendo como pressuposto a compreensão de que, quem tem férias é o servidor, e não a instituição.
E prossegue: como a instituição não tem férias, o servidor tem que se amoldar a instituição. Uma lógica que escancara a naturalização da instituição universitária como autônoma e independente dos sujeitos. Ela existe, tem vida própria, personalidade, identidade (esse último atributo ardorosamente explicitado pelo dirigente); ou seja, ela existe ao arrepio das vontades, desejos, necessidades dos sujeitos que a integram. Devemos nos curvar a universidade, como genufletamos diante do último lançamento da indústria eletrônica ou suspiramos nas franjas dos desejos do estilo de vida róseo que os espetáculos midiáticos nos proporcionam.
E, como brado de guerra, nestes tempos de mercantilização de nossas almas e sonhos, gritemos a plenos pulmões: Marx morreu, viva Marx!
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