A maldição do trabalho
O homem, ao transformar as patas dianteiras em ferramentas, inventa o trabalho. Por ser a única espécie sobre a terra que dispõe de um cérebro capaz de elaborar representações sobre o mundo e sobre si mesmo, inventa as significações para dar designação e sentido as coisas, objetos, idéias, conceitos. Assim, o trabalho também passa a ser uma representação que, ao longo do tempo e nas mais variadas expressões culturais, ganha conotações diversas e expressões que oscilam entre a sublimação e o castigo.
Nessa linha de raciocínio, quando consideramos a tradição cristã ocidental, encontramos o trabalho como maldição. Ao serem expulsos do paraíso, após a transgressão do pecado original, com o desfrute da árvore do conhecimento que permitia a autonomia do discernimento e a liberdade de conhecer e de produzir suas próprias escolhas e caminhos, o homem e a mulher recebem como castigo a condenação do trabalho.
“Ganharás o pão com o suor do teu rosto” passa a ser o parâmetro que separa e segrega trabalhadores e ociosos. Estes últimos, agraciados pelo “beneplácito divino” da dominação, poderão ser sustentados com o trabalho e o suor dos condenados, sem que esse gesto represente qualquer ação pecaminosa.
A modernidade reverte essa tradição e resgata o trabalho de sua posição de maldição, o suspendendo ao patamar de promotor de felicidade e de redenção de todas as mazelas humanas. O trabalho humano, nesta perspectiva, seria o caminho para transformar a natureza, convertendo tudo e mercadoria que, cambiada no mercado, tornaria a vida de todos um permanente gesto de prazer e euforia. Mas, o trabalho, na modernidade, também ganha a sutil configuração de maldição quando o fazer passa a ser exclusividade de muitos, enquanto o pensar e o mandar são “qualidades” e prerrogativas inerentes a alguns privilegiados.
E este fazer acontece, majoritariamente, em condições insalubres e desumanas. Muitos dos que fazem o fazem em condições de sobrecarga de trabalho, com exaustão física e mental, recebendo remuneração insignificante e desproporcional a qualidade e importância do trabalho desempenhado.
Condições que tornam o fazer, ou seja, o trabalho de transformar a natureza, o mundo e a si próprios, uma carga ou um fardo asfixiante e desqualificador da condição humana. Mudar essa qualificação e essa representação foi a motivação que, na modernidade, impulsionou a mobilização e a luta dos que fazer, pelo trabalho, a transformação do mundo. Uma luta que passa a representar o trabalho não como maldição ou como salvação da humanidade.
O trabalho visto apenas como uma forma de dar dignidade a vida quando os homens, com sua inteligência, suas ferramentas, sua tecnologia e seus conceitos e elaborações teóricas, produzem novos arranjos de vida que, em harmonia com a natureza, inventem mundos e transformem todos em fazedores de existências e de dignidade.
Tudo isso me surge na inspiração das dantescas e brutais cenas da repressão policial a trabalhadores da educação do Paraná, covardemente agredidos pela força policial, a mando de governo e poderosos que, inseridos no universo dos privilegiados, se arvoram em senhores dos que fazem a vida. E todos os agredidos e pisoteados, apenas e simplesmente, são trabalhadores da educação.
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