A doce sina do nome
Quando nasci, pelas mãos da parteira Mãe Ana Preá, em um final de tarde de agosto, meu pai decide me dar o nome de sua mãe, Mariana.
Um nome comum, simples, mas que trazia o pesado e incômodo fardo de ser considerado nome de “velha”.
E por minha infância e adolescência arrasto correntes pela herança do nome. Na escola e, mais tarde, no colégio e mesmo na universidade sou única, escoteira, sem as “xarás” com quem estabelecer referências do nome comum.
Minha avó não a conheci. Faleceu dois anos após meu nascimento. Suas memórias as construí nas falas, narrativas e depoimentos acerca de sua inteligência ímpar, sua capacidade de superar os trancos que a vida reservava às mulheres do final do século XIX, onde analfabetismo, invisibilidade, subserviência se naturalizavam nas justificativas sociais, culturais e políticas do ser feminino. Só aprende a ler e escrever na velhice, quando desejou depositar um dinheiro, fruto de suadas economias, em uma conta no Banco de Antônio Rolim. A necessidade de assinar o nome é atendida pelas lições de uma das filhas.
E Mariana, a avó, vai sendo inventada, construída, rascunhada e desenhada na história de sua neta. Suas memórias são, em incontáveis bocas de noite, inspiração e protagonismo nas lembranças paternas, costuradas ao sabor do balanço da rede e de atentos ouvidos infantis dispersos pelo chão da sala fugazmente iluminada pela lamparina a querosene.
E o pesado fardo do nome ganha leveza. A singularidade não mais incomoda. A ausência de “xarás” perde significância.
E ser mais uma Mariana Moreira me encanta, envaidece, agiganta, como gigante foi aquela Mariana, a avó, que, na invisibilidade de uma sertaneja, pequena agricultora, se faz presença e presente em minha vida.
E é para ela, Mariana, a avó, que a neta Mariana partilha da poesia da mineira Adélia Prado, nos tornando, Marianas e Adélias, traduções de Marias tantas, que crescem e agregam anas, adélias, e todas nós.
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
(…)
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
(…)
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
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