A começar pelo Pacífico
Por Cristina Moura
Assim que saímos da constelação niquelada, decidimos, em unanimidade, partir para a plataforma sóbria. Éramos mais atrativos, disseram. Poderíamos passear de forma mais rápida. Contentes, seguimos. Não nos importamos com os paralelepípedos que se agigantavam nos corredores: eram horizontes do passado. Chegamos todos, de uma só medida, em fortes pressões da gravidade, em sons que preencheram os fragmentos de ar. A missão era tornar os humanos mais humanos. Nem sempre conseguíamos.
Nem sempre nos encontrávamos, nós com os outros componentes das outras missões. Até mesmo os nossos integrantes estavam receosos da tal constelação; alguns diziam planeta, alguns diziam estrela, alguns diziam ponto de encontro.
Pelos oceanos, fomos informados na era anterior, seria bem mais estridente. Também mais intenso, do ponto de vista narrativo, pois teríamos que aprontar os relatórios. Reunimo-nos numa assembleia competitiva. Todos votaram a favor de começarmos pelo Pacífico. Não foi num estalar de dedos, que dura um segundo. Foi na metade. Quando vimos a cripta, estávamos numa das curvas de um arquipélago. Nas primeiras ondas, chegamos. É claro que não poderiam nos ver. Durante o amanhecer, permanecíamos acoplados nas algas, dando suporte ao oxigênio da corte.
Fiquei incumbida do primeiro relatório. Não consegui, de imediato, descrever nossa primeira coreografia. Meu colega de sala entendeu o propósito e me auxiliou todas as vezes. No fundo do mar, sabíamos todos que começaria uma etapa de encantamento. Do meu lado direito, estacionou um barco, repleto de seres parecidos conosco. Tive que expressar no relato inicial: eram minúsculos, enquanto que éramos microscópicos. Era uma semelhança de conceito e tamanho, talvez, mas não de abstração. Seguimos.
Fui ao barco, em plena luz do dia. Sabíamos que era dia. A claridade era diferente. O transporte havia sido encalhado num ano distante, mas as criaturas vigilantes trataram de reaproveitar o local. Nova decoração, novo retrato para os desconhecidos, novos pergolados. Minha colega de sala, que havia se dedicado a outra missão, explicou que tudo ali não passava de um sonho. Rebati. Era tão real que minha respiração se completava à dança. Era tão real que eu nunca haveria de contar até dez. Era tão real que meus pés apresentaram calos e rachaduras. Era tão real que senti fome e sede de sorrisos.
Sonho sim, disse outra colega. Sonho em grande escala, disse outra. Sonho em corte possível, disse outro, de longe. Sonho total, disse um dos chefes do departamento de missões extraordinárias. Sonho, a depender dos remetentes, disse um dos colaboradores da ala nobre. Sonho sim, sonho não, disse o despertador em pedaços de melodia. Sonho em faíscas, disse um peixe que por ali andava a investigar pensamentos. Sonho sim, disse o garçom, ao me servir um saboroso leite queimado.
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