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Mariana Moreira

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A bênção, Mãe Aninha!

28/08/2020 às 16h14

Coluna de Mariana Moreira

Aqueles que, por estes sertões, viram a luz do mundo pelas mãos das parteiras, conhecem e vivenciam práticas e saberes que se instituem neste processo de vida e cultura. Práticas e saberes que abarcam e inventam meizinhas e simpatias para amenizar as dores e acelerar o rito e o ritmo do parto. Hábitos e gestos que se incorporam a vida cotidiana, tramam, tecem e traçam laços de afeto, respeito, consideração.

Assim, a parteira recebe o tratamento, mas, sobretudo, a reverência de mãe e comadre. A criança, desde a mais tenra idade, lhe pede a bênção e por ela cultiva a saudável amizade filial. Mãe e pai passam a trata-la por comadre, com visitas rotineiras, almoços de domingo, pedidos de conselho e, quando possível e necessário, ajuda material, afetiva, cultural.

Essa prosa me chega, por esses dias, quando Cajazeiras comemora o nascimento do Padre Inácio de Sousa Rolim que, por aqui viveu no século dezenove e, instituindo uma rústica escola, lega a cidade a tradição de “terra da cultura”. Uma prosa que vai ganhando pujança nas conversas com o querido Frassales que comigo divide algumas inquietações:

– Porque Mãe Aninha, a genitora do Padre Rolim, ainda hoje tem seu nome lembrado com recorrência?

– E porque o tratamento de mãe se instituiu social e culturalmente, alcançando os dias atuais?

A primeira informação que alimenta estas inquietações é de que a Mãe Aninha desempenhou, por quase toda sua existência, a atividade de parteira considerando a inexistência de maternidade e profissionais habilitados naquele contexto.

Assim, não é mero exercício de imaginação ficcional ver Mãe Aninha, na luz do dia ou no soturno da noite, percorrendo miseráveis casebres e senzalas para acompanhar mulheres, negras e pardas, escravas e libertas, em trabalho de parto. E, como parteira, detendo profundo conhecimento de ervas e preces, tão essenciais neste momento e neste tempo de absoluta escassez de conhecimento científico. Assim, além de trazer ao mundo o rebento, lhe curava as feridas e dores do corpo e, muitas vezes, d’alma.

E o séquito de afilhados ou, como a tradição sertaneja traduz, “filhos de umbigo”, cresce e ganha projeção no alpendre da casa de fazenda onde a “filharada” vem pedir proteção, benção, alimento, abrigo para a orfandade, cura para os males. Alpendre que abriga também tropeiros, romeiros, errantes, peregrinos e andarilhos que descansam da caminhada incerta e refrigera sede e cansaço nas águas do açude erguido no represamento do riacho que, em tempos de chuvas, corre na direção nascente e, retomando a caminhada, espalha a história da Mãe Aninha.
Histórias que, mais tarde, o nosso Lua Gonzaga imortaliza nos versos e sons do baião:

– Samarica, ooooh, Samarica parteeeeira!

E, sem as bênçãos da ciência, mais movida pelo percurso de vida nestes sertões, não tenho medo de afirmar que a Mãe Aninha nasce nas alcovas e camarinhas de tantas mulheres de cores e tons diferentes, nos momentos de continuidade da vida.

E assim, podemos também recitar:

– A bênção, Mãe Aninha!


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

Mariana Moreira

Mariana Moreira

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