Arquiteto e rádio sousense são sentenciadas por danos morais por comentários contra presidente do Tribunal de Justiça da Paraíba; ação ainda cabe recurso
A sentença aplicada ainda cabe recurso para ambas as partes
Um arquiteto sousense juntamente com a Rádio Líder FM da cidade de Sousa, no Sertão da Paraíba, foram sentenciados de forma solidária pelo Juiz do Primeiro Juizado Misto da Comarca de Sousa, Fabiano Lúcio Graçascosta, a pagar indenização por danos morais ao desembargador Joas de Brito Pereira Filho, presidente do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB).
Segundo o processo, o arquiteto sousense em participação em um programa jornalistico na rádio Líder, havia feito comentários a cerca do habeas corpus que o desembargador havia concedido a um motorista que atropelou e matou um agente de trânsito em João Pessoa, após um acidente de carro.
O juiz, Dr. Fabiano Lúcio afirmou que os comentários feitos pelo arquiteto denegriram honra e moral do desembargador Joas de Brito.
A sentença aplicada ainda cabe recurso para ambas as partes. Veja abaixo a sentença completa:
Poder Judiciário da Paraíba
1º Juizado Especial Misto de Sousa
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) 0801061-27.2017.8.15.0371
[INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL]
AUTOR: JOAS DE BRITO PEREIRA FILHO
RÉU: FABIO LINHARES DE ARAUJO, RÁDIO LÍDER FM SOUSA PB
SENTENÇA
Vistos etc.
Joas de Brito Pereira Filho ajuizou a presente demanda em face de Fábio Linhares de Araújo e Rádio Líder FM. Alega, em síntese, que foi agredido moralmente pelos demandados, em virtude de acusações inverídicas a seu respeito que possuíam conteúdo difamatório, já que foi chamando de “safado”, “vagabundo”, “sem vergonha”, “canalha” e “energúmeno”, tendo criticada a sua conduta como magistrado. Afirmou, ainda, que a referida publicação foi divulgada com o mero intuito de menoscabar a sua honra e imagem, em ligação telefônica realizada por meio da rádio, denegrindo a reputação do demandante.
Em sede defensiva, o primeiro demandado suscita a preliminar de inépcia da inicial. No mérito, alega a inexistência de danos morais e materiais, afirmando que não objetivou denegrir a imagem do demandante, requerendo, assim, a total improcedência da demanda.
A segunda demandada – Rádio Líder FM, suscitou a preliminar de ilegitimidade passiva, requerendo, no mérito, a improcedência da demanda ao argumento de que não incorreu em qualquer ato ilícito hábil a configurar o dever de responsabilização civil.
É o breve relatório. DECIDO.
I – PRELIMINAR
I.I – Inépcia da inicial: inexistência de fixação do valor da causa
Preliminarmente, o primeiro demandado esgrime com a ausência de interesse de agir, ao argumento de que a parte demandante teria ingressado com a presente ação sem especificar o valor da causa, requerendo a extinção do processo sem resolução de mérito.
Nesse particular, em que pese a novel vigência do art. 292, “V”, do CPC, a jurisprudência se inclinou no sentido de ainda admitir alguns pedidos genéricos, sobretudo esses baseados em danos morais, já que o seu valor caberá exclusivamente ao juiz, mediante seu prudente arbítrio – frise-se, mesmo após a vigência do novo CPC. Litteratim:
“(…) 3. É pacífica a jurisprudência desta Corte quanto à possibilidade de formulação de pedido genérico de compensação por dano moral, cujo arbitramento compete exclusivamente ao juiz, mediante o seu prudente arbítrio.” (STJ, REsp 1.534.559/SP, 3ª Turma, rel. Min. Nancy Andrigui, DJE 11/11/2016 – grifei)
Parece não haver dúvida, contudo, que com mais razão tal pedido genérico deve ser aceito no microssistema dos juizados especiais, vez que regido pelo princípio da informalidade e limitado pelo teto previsto no art. 3, I, da Lei 9.099/95.
Rejeito, portanto, a preliminar levantada.
I.II – Ilegitimidade passiva da Rádio Líder FM
Alega o segundo requerido, também em preliminar, que não possui legitimidade para figurar na lide, ao argumento de que a Rádio Comunitária 104 FM em momento algum ratificou as palavras do primeiro demandado ou adicionou a elas qualquer teor semelhante.
A legitimidade ad causam é uma das condições da ação, e significa a titularidade para estar nos polos da demanda. Ou seja, será titular de ação apenas o que for titular do direito subjetivo material que se pleiteia (legitimidade ativa), podendo ser demandado apenas aquele que seja titular da obrigação correspondente (legitimidade passiva).
Da análise dos autos, verifica-se que a Rádio Líder FM foi o veículo de comunicação utilizado para que o primeiro demandado proferisse as declarações acerca do demandante. Assim, a responsabilidade civil do veículo de comunicação não pode ser afastada prima facie, conforme já restou decidido pelo Superior Tribunal de Justiça. Vejamos:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. INDENIZAÇÃO. MATÉRIA JORNALÍSTICA. RESPONSABILIDADE. LEGITIMIDADE PASSIVA. LIMITES DA INDENIZAÇÃO.
1. Essa Corte pacificou o entendimento de que, tanto o veículo de imprensa, quanto o jornalista e o entrevistado, são parte legítima a figurar no pólo passivo de ação indenizatória movida em razão de publicação que macule a honra de terceiro. Precedentes.
2. A limitação do quantum indenizatório pela Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição de 1988. Precedentes.
3. Agravo regimental improvido.” (STJ, AgRg no Ag 730.662/SP, 3ª Turma, rel. Des. Convocado Paulo Furtado, DJe 01/09/2009)
Com efeito, verifica-se que o segundo demandado não nega ter veiculado a manifestação discutida nos autos, de sorte que não há que se falar em ilegitimidade passiva ad causam.
Rejeito, pois, a preliminar levantada, passando a mérito da causa.
II – MÉRITO
No mérito, parece não haver dúvida de que constitui direito do meio de comunicação, porquanto inerente ao exercício do sagrado direito de informação à sociedade, a divulgação de fatos relevantes ocorridos, em cujo conteúdo traga ínsito o interesse público de seu conhecimento.
Outrossim, é cediço que o exercício da liberdade de expressão e informação, mediante meios de vasta divulgação social, exige extrema cautela, não devendo ultrapassar os limites impostos pelo dever de informar com responsabilidade, sendo de rigor a preservação da honra e respeitabilidade alheia.
Assim, os excessos merecem reprimenda judicial, com a reparação dos danos deles decorrentes.
Consoante se depreende das provas carreadas aos autos, verifica-se que o primeiro demandado valeu-se de programa de rádio para proferir palavras ofensivas a honra, moral e dignidade do demandante como magistrado, posto que direcionou ofensas afirmando que o demandante é “safado”, “vagabundo”, “sem vergonha”, “canalha” e “energúmeno”.
Não há dúvidas, portanto, que tal proceder constitui dano moral indenizável, porquanto extremamente ofensivo ao patrimônio subjetivo de quem quer que seja, mormente quando perpetrada a ação diante de outras pessoas, uma vez que as afirmações foram feitas no veículo de comunicação da segunda demandada, ou seja, através de um meio de comunicação de elevado espectro social de atuação na região desta circunscrição.
Ressalto que o conteúdo da matéria divulgada (ID 7112776) ultrapassa o caráter informativo, inerente aos meios de comunicação, vez que na verdade possui caráter vexatório, humilhante e depreciativo da honra do demandante, pois o primeiro demandado não se ateve apenas a criticar os argumentos jurídicos utilizados pelo magistrado na decisão publicada, mas sim a estender ofensas diretas a honra do demandante no intuito claramente ofensivo.
Acerca do tema, vejamos a jurisprudência pátria:
“(…) No que pertine à honra, a responsabilidade pelo dano cometido através da imprensa tem lugar tão-somente ante a ocorrência deliberada de injúria, difamação e calúnia, perfazendo-se imperioso demonstrar que o ofensor agiu com o intuito específico de agredir moralmente a vítima. Se a matéria jornalística se ateve a tecer críticas prudentes (animus criticandi) ou a narrar fatos de interesse coletivo (animus narrandi), está sob o pálio das “excludentes de ilicitude” (art. 27 da Lei nº 5.250/67), não se falando em responsabilização civil por ofensa à honra, mas em exercício regular do direito de informação. (…)” (STJ, REsp 719.592/AL, 4ª T., rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 01/02/2006, p. 567).
Verifica-se, portanto, que o primeiro demandado, através de discurso difamatório, extrapolou o direito de informar e/ou a sua opinião pessoal, ofendendo a honra do demandante, razão pela qual deve repará-lo moralmente.
Fixada a responsabilidade civil do primeiro demandado, verifica-se que não há dúvida de que as ofensas foram proferidas em um programa radiofônico da empresa demandada, razão pela qual esta também possui responsabilidade. É que conforme já se manifestou a jurisprudência, “tendo sido a rádio o instrumento utilizado para a prática do ilícito, deve responder solidariamente pelos danos causados” (TJ/PE, AC 145118, 5º Câmara Cível, rel. des. Antônio Carlos Alves da Silva, DJe 02/09/2009).
Destaco, no caso concreto, que o áudio acostado no ID 7112776 possui exatos 3min11s, não constando em qualquer momento uma recomendação ou mesmo advertência do apresentador do programa para que tal agressão cessasse. Entendo que tal fato eximira a responsabilidade civil da rádio, impossibilitando, ainda, a realização da ofensa em tão expressivo meio de comunicação.
Ocorre, contudo, que se quedando inerte diante de tais agressões, não há como se alegar a culpa exclusiva de terceiro, vez que o instrumento da ofensa foi o programa radiofônico da empresa demandada, que certamente teve seu nome divulgado e repercutido em virtude das ofensas, razão pela qual deve se responsabilizar solidariamente pelo dano causado. É a jurisprudência:
“CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. ENTREVISTA OFENSIVA DIVULGADA EM PROGRAMA RADIOFÔNICO “AO VIVO”. DEMANDA MOVIDA CONTRA O ENTREVISTADO E EMISSORA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DE AMBOS. LEI DE IMPRENSA, ART. 49, § 2O. RESPONSABILIDADE INERENTE A TAL PROPOSTA DE PROGRAMA.
I. Se a ofensa à moral decorreu de entrevista dada “ao vivo” em programa radiofônico da modalidade “canal aberto”, tem-se configurada a responsabilidade da emissora prevista no art. 49, parágrafo 2o, da Lei n. 5.250/67, ainda que o apresentador não tivesse conhecimento do teor das alegações, porquanto essa modalidade de “canal aberto” constitui risco inerente à atividade a que se propõe a empresa de comunicação, da qual obtém audiência e, evidentemente, receita econômica.
II. Co-responsabilidade da entrevistada, que, inclusive, reconhecidamente assacou inverdades, por ela própria desmentidas em programa subseqüente, da mesma emissora.
III. Recurso especial conhecido e provido, com fixação do quantum indenizatório a título de dano moral, a ser suportado por ambas as rés.”
(STJ, REsp 331.182/SE, 4ª Turma, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJe 17/03/03)
Fixada a responsabilidade civil solidária de ambos os demandados, verifico que o escopo ressarcitório encontra suporte em duas vertentes. Uma de caráter punitivo, de sorte a castigar o infrator pela ofensa cometida. Outra de aspecto compensatório, de modo a proporcionar à vítima prazer em contrapartida ao mal sofrido.
Ou seja, a indenização por danos morais não visa pagar a ofensa, a desmoralização, ou a boa fama, mas amenizar seu sofrimento de forma indireta, já que proporcionará um acréscimo no seu patrimônio que poderá lhe trazer outras felicidades, que compensarão as tristezas da humilhação por que passou com o ato lesivo, bem como uma sanção pecuniária imposta civilmente a este, para que labore sob o pálio da cautela.
Na sua fixação, vêm ensinando a jurisprudência e a doutrina na tarefa de mensuração do quantum indenizatório que deve o juiz ponderar o fato em si, suas circunstâncias e gravidade, a situação e comportamento da vítima, a situação e comportamento do agente causador, a necessidade de compensar o dano sem gerar enriquecimento sem causa e, concomitantemente, desestimular a repetição da conduta, presente o caráter preventivo da condenação.
Em casos como este, e mesmo discordando do algumas vezes alegado “tabelamento do dano moral”, venho fixando-o em patamares de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) – mormente nestes casos em que não há qualquer comprovação extra do abalo sofrido.
Contudo, e mesmo que não conste tais informações nos autos (art. 374, I, do CPC), não há como fechar os olhos para a realidade dos fatos e das peculiaridades que os envolvem. É que o demandante é desembargador do Tribunal de Justiça da Paraíba, exercendo a presidência deste Tribunal, razão pela qual possui inegável prestígio social. Frise-se que o fato do requerente ser magistrado não divorcia a sua moral daquela inerente a qualquer cidadão de bem que cumpre com os seus deveres.
Mas não há como deixar de ponderar a sua visibilidade social que também é fruto do cargo que ocupa, mormente por ser chefe de um poder, e também pelo fato de que as suas atitudes servem de espelho para a sociedade que julga. Nessa esteira, não há como ignorar essa realidade que sequer foi contestada, razão pela qual entendo que o valor de R$ 6.500,00 (seis mil e quinhentos reais) atende a todas essas características, mostrando tanto o seu caráter compensatório como punitivo.
ANTE O EXPOSTO, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, e assim o faço com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para CONDENAR os demandados, solidariamente, em OBRIGAÇÃO DE PAGAR indenização por danos morais no valor de R$ 6.500,00 (seis mil e quinhentos reais), desde a data da publicação desta sentença, corrigido pelo INPC e com juros de mora de 1% (um por cento) ao mês.
Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Com o trânsito em julgado, e havendo cumprimento voluntário, independente de nova conclusão, expeça-se o competente alvará judicial no valor depositado e seus acréscimos, em nome do promovente e/ou de seu advogado, através do meio eletrônico, os quais deverão no prazo de 02 (dois) dias informar se tem algo a requerer. Ressalte-se que o silêncio importará em anuência tácita e implicará na declaração de cumprimento da sentença.
Outrossim, com o trânsito em julgado, e inexistindo comprovante de cumprimento voluntário ou requerimento de execução, intime-se o demandante para no prazo de 02 (dois) dias requerer o que entender de direito, sob pena de extinção.
Fabiano L. Graçascosta,
Juiz de Direito
DIÁRIO DO SERTÃO
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