EMOÇÃO: Estudante paraibana visita asilos para escrever cartas dos idosos e envia uma para Silvio Santos
Alana Thalita leva a esses locais um projeto no qual convida idosos a escreverem correspondências
Uma folha de papel, uma caneta e uma saudade que se transformam em cartas toda vez que a estudante Alana Thalita dos Santos, 32, visita asilos no município de Campina Grande (PB).
Ela leva a esses locais um projeto no qual convida idosos a escreverem correspondências. Os filhos são os principais destinatários de textos que, geralmente, expressam saudade de casa, do passado e da família. As cartas ficam guardadas com Alana para serem posteriormente enviadas se os asilos autorizarem –nem sempre os idosos manifestam o desejo de mandar os escritos.
As “Cartas Prateadas”, como ela denominou, são seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) em educomunicação na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), a ser apresentado no final do ano. O curso tem como proposta utilizar os meios de comunicação para gerar conteúdo diverso de educação.
A ideia inicial de Alana era trabalhar um tema que não servisse apenas para cumprir uma formalidade acadêmica. Ela também diz que a escassez de material acadêmico sobre idosos chamou a sua atenção.
“Busquei o estudo da compreensão e o lado social que há em tudo isso. Eu vou para os asilos para ouvir o que os idosos têm a dizer. Muitas vezes a sociedade não os escuta, principalmente os que estão fora do convívio social. O idoso tem muito a falar e pouco espaço para fazer isso”, diz.
As visitas aos asilos de Campina Grande começaram em agosto deste ano. Desde então, foram 14 encontros em três instituições diferentes, uma média de duas por semana. Cada um bem diferente do outro, afirma Alana.
A rotina consiste em montar uma roda de conversa e passar a tarde com os moradores dessas instituições. A simples presença da estudante muda o clima do local. Embora alguns idosos se mantenham recatados, a maioria demonstra felicidade. “A gente canta, conta histórias, ouve muito”, diz.
Com esse envolvimento emocional, Alana convida os idosos para escreverem cartas. É como se fosse uma reprodução da personagem Dora, vivida por Fernanda Montenegro no filme nacional “Central do Brasil” (1998), de Walter Salles.
No longa, premiado no Festival de Berlim, a personagem escreve cartas para pessoas analfabetas na homônima estação do centro do Rio e promete enviá-las aos destinatários.
A diferença é que Alana não costuma enviar os escritos. “Isso só acontece se o idoso realmente quiser e se a direção do asilo concordar”, explica. Segundo Alana, essa decisão visa evitar possíveis reclamações. “Como o asilo passa a ser o responsável pelos idosos, a partir do momento em que o recebem, cabe à direção autorizar o envio.”
Até agora, segundo Alana, das 21 produzidas apenas uma carta foi enviada (algumas ainda aguardam liberação pelos asilos). Uma senhora descreveu um sonho: conhecer o apresentador Sílvio Santos, de quem é telespectadora fiel há muitos anos. Até o momento, não houve resposta para a carta.
“Lembra um tempo quando eu era mais feliz”
Algumas cartas são escritas pela estudante porque alguns idosos não sabem ou não têm condições de escrever. Às vezes, as cartas são produzidas a quatro mãos, como aconteceu com um professor de 70 anos num relato sobre as angústias de toda uma vida. A carta foi escrita para um amigo de longa data, mas que nunca mais foi visto. Ela conta que ele começou a escrever, mas, muito emocionado, não conseguiu concluir.
Tem gente que só precisa de papel e caneta para escrever, como a aposentada Francisca Machado, 62. Há quatro anos, ela chegou a um asilo na área central de Campina Grande. Após o convite de Alana para escrever, Francisca em menos de cinco minutos devolveu a carta.
Com olhos marejados e mãos trêmulas, pede para que seja enviada ao filho mais velho. Ela permite que a reportagem leia o conteúdo. Em pouco mais de 15 linhas, fala da saudade que sente do filho e diz que está bem de saúde, mas que não vai conseguir sobreviver muito tempo longe dele. Ao final, pede para voltar para casa.
“Fazia muito tempo que eu havia escrito uma carta. Achei uma ideia muito legal, até porque lembra o tempo de antigamente, de quando eu era mais feliz e vivia com meus filhos.”
“Minha cara amiga, não tente me entender”
Em todas as cartas guardadas com Alana, é possível encontrar desabafos com lembranças de várias fases da vida e antigas amizades. Uma delas destaca: “Minha cara amiga, não tente me entender. Você já tem a árdua tarefa de entender a si, o nome disso é dignidade humana. É… essa palavra eu ouvi muitas vezes antes de ter que vir morar em asilo. Me diziam: ‘Chegou a idade da dignidade’. Que ironia! A idade avança, os cabelos prateiam, a gente nem sente tanto a presença dela”.
Outra fala sobre velhice e a condição atual da vida: “Não reclamo! Mentira, reclamo sim, e muito. Afinal, um velho não seria honestamente um velho sem o seu direito adquirido a longos anos de reclamar”.
Alana afirma que procura segurar a emoção na frente dos idosos, principalmente quando falam da falta dos filhos e da solidão. Mas fica pensativa e, em casa, gosta de reler o material.
“São palavras fortes, sentimentos verdadeiros que eles expressam nas cartas. É saudade, é solidão, reclamações de abandono dos parentes e dos amigos.”
Janaína Soares, técnica de enfermagem do Lar de Permanência Nilson Gonçalves de Lucena, visita que o UOL acompanhou, diz que a presença da estudante ajudou os 24 idosos que lá vivem. “Eles se sentem importantes porque alguém quer ouvi-los. Isso na terceira idade tem um grande significado, inclusive para a saúde. As cartas são um meio de externar sentimentos e palavras guardados com eles”, explica.
Valéria Sinésio
Colaboração para o UOL, em Campina Grande (PB)
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