Zé Bernardo
A manhã daquele dia prenunciava muito calor. O sol já nasceu queimando e a sensação era de inferno. Talvez fosse o dia mais quente do ano. Em sua pequena casa de taipa, no interior, José Bernardo Antunes, mais conhecido entre todos como Zé Bernardo, assim como o sol, acordou queimando. Sentia umas pontadas no coração. Pontadas quentes. O problema não era cardíaco. Era de incompreensão.
Não tendo como não fazer, e nem com o que fazer, fez como todos os dias. Do fundo de sua rede, embaixo da qual sempre havia alguns poucos e bons livros, debulhou suas orações de agradecimento pela noite que passou e de pedidos ao seu bom Deus para que o mantivesse vivo ainda naquele dia.
Contudo, Zé Bernardo, sozinho como sempre foi na vida, sentiu algo que iria incrementar suas rezas. No peito, o sentimento de profunda decepção com o que é humano se instalava. Um coração vivido e experimentado não estava mais aguentando.
Ninguém sabia, mas o Zé era um desencatado com o mundo e com as pessoas. Do fundo daquele rede armada numa e noutra forquilha da casa de taipa, reluzia uma mente fulgurante. Tinha sido, em tempos de mocidade, um grande professor. E que professor!
Brilhou nas altas cátedras de universidades européias. Galgou os mais altos postos de comando acadêmico, até que se deparou com a miséria. Não a miséria financeira, mas humana, a inveja, que o atingira e, de pancada em pancada, fez com que o nobre professor tomasse decisões na vida.
Chegou a conclusões formidáveis, tendo por inspirador o grande filósofo Dionísio que, tomando banho de sol, ordenou ao seu admirador, Alexandre Magno, que saísse da frente, pois estava atrapalhando com sua sombra. Dionísio, o mesmo que, com uma lamparina na mão, ao meio dia, saiu pelas ruas da cidade procurando um homem de verdade.
Zé Bernardo, como Dionísio, perante a imundície dos homens, particularmente daqueles que deveriam ser os mais limpos da face da terra, decidiu mudar radicalmente de vida: abandonou o brilho das universidades européias e foi-se enterrar numa casinha de taipa, para ler, estudar, rezar e levar uma vida comum.
Mal sabiam os tolos que lhe perseguiam, mas Zé não estava diminuindo, pelo contrário, estava crescendo, pois ia se afastando daquela pocilga que é o universo dos invejosos e ia veloz ao encontro do bom Deus, a quem fazia, ainda acordando, as suas orações.
E rezava também pelos seus perseguidores que, no dia anterior, exigiram que entregasse a casinha de taipa que lhes pertencia. Zé nada tinha, mas tinha a tudo, pois tinha a Deus, sua verdadeira alegria.
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