Vendedores de manga
Por Francisco Frassales Cartaxo
As mangueiras recebem folhas e flores novas. Vingas de frutos já surgem em quintais, ruas, praças e parques, num frescor de amor nascente. Com a safra chegam vendedores de manga. Eles surgem, ninguém sabe de onde, com enormes varas de bambu, sacolas, cestos e sacos. Pescam com carinho as mangas, que lhes rendem os trocados para ajudar a sobrevivência da família. Troco um dedo de prosa com eles, compre ou não as mangas, em jeito sutil de demonstrar minha solidariedade à luta contra a fome.
Nem todos agem assim.
Na Praça da Casa Forte, onde faço regulares caminhadas, existem mangueiras no espaço público, em jardins e quintais de casas antigas e edifícios novos, construídos sem demolir históricos casarões de séculos passados. Entre os caminhantes do belo logradouro, há quem iguale os vendedores de manga a ladrões, apontam o dedo para eles quando sacam um fruto de uma árvore plantada em terreno particular. Um absurdo, não pode roubar manga dos outros, diz um antigo senhor de engenho, a espuma no canto de boca.
Ninguém consegue demovê-los da licitude do gesto do vendedor. Argumentei várias vezes, esse homem está tentando livrar-se da fome de seus filhos. Isso é um direito, direito à vida, até porque essas mangas iriam apodrecer. Inútil falar. Que nada, estão invadindo a propriedade alheia, atacou, devia ser preso como ladrão, vá atrás que não quer trabalhar, é um malandro, preguiçoso… conheço essa gente, ora se conheço…
Por que Jerônimo fala com ódio?
Manifestação de classe social de um decadente antigo senhor de engenho da zona da mata pernambucana. No passado remoto, a família ocupava o topo da pirâmide social, a poderosa elite econômica e política dos tempos imperiais, ele mesmo herdeiro que sentiu na juventude o gosto do mando e do poder. Ao longo dos anos, porém, vivenciou mudanças na economia canavieira que empurrou seu estrato de classe até tornar-se fornecedor de cana à usina. E acossado, também, pelas conquistas sociais da legislação trabalhista levada ao campo.
Que dor horrível!
Mudou de status: de poderoso senhor de engenho virou fornecedor de cana. Com o tempo veio novo empurrão. Aferrado à terra, trocou a lavoura da cana pela plantação de banana. Aqueles homens, com imensas varas de bambu a defender-se da fome, eram, no recalque da suprema humilhação do plantador de banana, antigos cortadores de cana migrados para o Recife!
Presidente da Academia Cajazeirense de Artes e Letras
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