Velho amigo
Querido Açude Grande, venho aqui, novamente, cheia de vírgulas, chorar minhas pitangas ou minhas cajaranas. Nem sei se é choro ou apenas punhados de pensamentos que se atravessam. Teu vigor nos comove. Nem sei quem vai te socorrer, velho amigo. O socorro é para te distanciar das falsas impressões, dos percevejos, dos gafanhotos, das promessas, dos pedidos que estão atolados no teu chão. Sim, ora, tu tens um chão. Também margens, também mensagens, também perplexidades.
Querido Açude Grande, vamos rememorar aquele teu horizonte. Aliás, teu, não, de forma exata. Tu te tornas o comandante honroso do cenário. Vamos ver. A linha, se traçada, cabe ao planeta, cabe ao olhar desconfiado, cabe às novelas. Vamos ver. O Sol espalha os alaranjados fiéis ao calor, completa o ciclo e deixa o brilho naquele tapete azul ou cinza ou verde.
Querido amigo, não sei se é justa a tua cor. Sei que a parcimônia dos raios solares engrandece o espetáculo que te envolve. Então, nessas horas, esquecemos que tu necessitas sempre de cuidado, mimo, zelo, encontros e despedidas. Querido, talvez aquela coleção de bichos e gentes mortas esteja intacta em teus túneis encantados. Quem sabe. Talvez se encontrem, ainda, aqueles alfarrábios de projetos de gala para te libertar de seres poluentes que te atormentam há anos. Quem sabe, velho amigo, não seja de bom faro acionarem aqueles teus peixes supersônicos, nos dizeres dos tropicalistas, para que eles despertem os tantos humanos para o que há de mais poético em ti.
Só tu mesmo, amigo aquático, para me fazer construir frases longas, pois combinam com o tempo que te admiro, combinam com o tempo que te misturo às minhas tintas, combinam com o tempo que te espero mais asseado. Sim. Mais asseado, ao menos para as festas, para os fogos, para os dias consagrados.
Querido amigo, ninguém pode apagar da tua atmosfera tantos flashes e tantas fotos, tantos compartilhamentos, tantas ilusões perdidas ou achocolatadas, tanto flerte, tanto mafuá, tanta caminhada, tanta palavra. Sim. Tu és internacional. Em qualquer parte do mundo, claro, podem saber do teu mundo aberto. Aquele em cima da parede. Mas há outros açudes em ti. Há aquele outro mundo subterrâneo, coalhado de perguntas, insetos, tramas. Há aquele outro que abriga sacolas, vestidos, sapatos, cartas; abriga caixas e latões, pneus e calotas, sussurros e clamores.
Tu és forte, amigo. Presta bem atenção. Daqui a pouco, daqui a alguns minutos, olha: a tarde caindo, barulho em todos os lados, trânsito, relógio. Pessoas de todos os tamanhos e larguras vão ao teu ensaio. Querem te homenagear, louvar teu manto simbólico, destrinchar tuas estratégias, celebrar tua presença, cantarolar tua sensação de existir. É que teu espelho será um personagem específico para cada imagem guardada. Do outro lado, é certo: o céu prepara o amanhecer.
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