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Renato Abrantes

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Utopia

05/03/2010 às 00h00

Por Padre Renato

Caminhando sob um sol escaldante, a jovem, de faces rubras, encontrou, finalmente, um local seguro onde pudesse descansar, depois de uma jornada estafante. Vinha de paragens distantes, lugar que considerava sua casa e da qual nunca deveria ter saído. Suas terras eram de um clima ameno e gostoso, e, nelas, não havia nada do que reclamar. Calor ou frio, fome e guerras, violência e exploração… não, nada disso havia.

O que havia nas terras daquela jovem era o equilíbrio, a saciedade, a segurança e o apoio recíproco… ninguém passava privação, pois o que um tinha era de todos e o que era de todos servia para acudir ao que nada tinha.

A vida era o valor maior e alguma transgressão a este tesouro era severamente punida. Cada um cuidava da sua e somente interferia na vida alheia quando estava em jogo o bem que seria feito.

A maledicência – a fofoca – foi abolida há muito tempo, juntamente com a escravidão de um homem contra outro homem, pois foi considerada ferrugem que corroeria aquelas terras, caso não fosse rechaçada prontamente. É verdade que alguns insistiam em ficar nas calçadas olhando quem vai e quem vem com o intuito de “contar a última notícia”; porém, os maledicentes – os fofoqueiros – eram, naquelas terras, comparados a verdadeiros criminosos, pois estavam, do mesmo modo que estes, transgredindo uma das leis mais claras: a de que “cada um deve cuidar da própria vida”.

A liberdade era a aura que emanava de cada cidadão e que fazia resplandecer as terras daquela jovem. Mas, nem sempre foi assim. Houve um tempo em que a escravidão, como já dito, imperava. Contudo, o bom senso prevaleceu e, a partir de um dia, ficou estabelecido que não seria mais a cor da pele, o nível intelectual ou acadêmico, a riqueza ou o status social que tornaria um homem mais livre que o outro. Ficou estabelecido que o que diferiria as pessoas seria a virtude da caridade. Quanto mais voltado para o outro, maior seria um homem. A alteridade o faria grande e superior. O mais curioso foi que os mais caridosos não se achavam melhores do que ninguém e passaram a fazer caridade de forma a ninguém ver.

As terras daquela jovem eram lindas. Mas, por qual motivo era perambulava no deserto, já estafada de tantos passos dados? Aquela jovem decepcionara-se com a sua terra. Um dia, um tirano tomou a tão bela liberdade dos cidadãos e revogou todas as leis do país, fazendo de sua vontade a lei suprema.

Desta forma, a vida não foi mais valorizada, e abortos passaram a ser realizados porque as mulheres da terra, outrora louváveis matronas, acharam que eram donas de seus corpos, esquecendo-se que não eram proprietárias dos corpos dos seus filhos. A vida alheia, a partir de uma curiosidade satânica, passou a ser o alvo de todas as rodas de conversa. Ninguém mais se preocupava com a sua vida, mas, sim, com a dos outros. Sentava-se nas calçadas, não mais para receber um ventinho à “boca da noite”, mas para saber quem entrou ou deixou de entrar aqui ou acolá. A liberdade já não fazia mais aquelas terras brilharem tanto como outrora. Alguns, porque brancos ou ricos, desta ou daquela profissão, acharam-se no direito de considerar inferiores os homens que não eram como eles.

E a partir daquele dia, as terras da jovem nunca mais foram as mesmas. Ela, de coração grande e idéias amplos, depois de tanto lutar pelo que considerava certo e justo, e sem nunca conseguir êxito, decidiu buscar outros lugares.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Renato Abrantes

Renato Abrantes

Advogado (OAB/CE 27.159) Procurador Institucional da Faculdade Católica Rainha do Sertão (Quixadá/CE)

Contato: [email protected]

Renato Abrantes

Renato Abrantes

Advogado (OAB/CE 27.159) Procurador Institucional da Faculdade Católica Rainha do Sertão (Quixadá/CE)

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