Uma janela para o mundo
Por Francisco Cartaxo
Ernesto Geisel foi o quarto general a governar o Brasil na época da ditadura. Entre 1974 e 79, enfrentou duas situações adversas de natureza distinta: luta interna nas forças armadas e crise mundial do petróleo. Na primeira, militares radicais não aceitavam o que foi denominado o processo de abertura política lenta, gradual e segura. Que era isso? O retorno à democracia sob a rígida tutela dos militares, os donos do poder. Essa estratégia fora construída, com a colaboração teórica do general Golbery do Couto e Silva, para barrar o crescente movimento de oposição civil, que surpreendeu a todos nas eleições para o senado, em 1974, com esmagadora vitória do MDB em 16 estados.
A reação, quase espontânea, do eleitorado brasileiro forçou o presidente Geisel a mudar o curso da ditadura na direção de mitigadas liberdades políticas e individuais. Mesmo com a criação de salvaguardas, visando assegurar o poder por mais tempo em mãos do estamento militar, essa estratégia provocou contestação nos quarteis. Daí nascerem atos terroristas praticados pela extrema direita, apelidada de linha dura. A denúncia de tortura e morte do jornalista Wladimir Herzog e do operário Manoel Fiel Filho, em São Paulo, acobertada pelo general Ednardo D’Ávila Melo, exigiu de Geisel firmeza: exonerou-o do comando militar. Em outro plano, surgiram articulações para fazer do ministro da guerra, Sílvio Frota, o sucessor de Geisel, à revelia deste. Quando o movimento tomou corpo, espalhando-se pelo Congresso Nacional, Geisel agiu com rapidez: demitiu o general Frota.
E a crise do petróleo?
No plano econômico, o governo Geisel enfrentou as consequências da crise causada pela brusca elevação dos preços do petróleo. A resultante foi uma redução no ritmo de crescimento da economia brasileira, aumento do desemprego e notória insatisfação social, sobretudo, pelo controle do consumo de gasolina, até no limite obrigatório da velocidade dos veículos. A convergência desses dois fatores (confronto interno entre militares e crise do petróleo) deu margem a muitas críticas por parte da oposição, apesar do rígido controle da mídia, então sob rigorosa censura.
Essas críticas muito irritaram Geisel.
Sua contrariedade foi tamanha, que certa vez o presidente Geisel desafiou: abram uma janela para o mundo e vejam que lá fora a situação é muito pior do que a nossa. Olhar para o resto do mundo, segundo o presidente, daria um alento aos brasileiros, naquela quadra difícil de nossa economia, combinada com asfixia das liberdades democráticas.
Por que lembro isso agora?
Às vésperas de novo ano, mais de 40 anos depois, me veio à mente aquela recomendação do general Ernesto Geisel. No meio desta terrível pandemia, em todos os lugares do planeta, abri a janela da internet para o mundo. Que vi então? Vi hospitais lotados, doentes em macas a espera de leito, mortos enterrados em cemitérios improvisados à céu aberto.
Mas também vi governantes sérios, responsáveis. Notei o ar de felicidade de velhos e velhas, de profissionais da saúde, o braço desnudo para a vacina em todos os continentes. Até na América Latina! São milhões de pessoas a exibir o riso da esperança, ao tomar a vacina, a única forma de estancar a sangria causada pelo coronavírus.
Depois direcionei o olhar para o Brasil. Meu Deus, que vergonha! O governo nem sequer o sabe quando começa a vacinação! Que tristeza!
P S – Que 2021 seja outro tempo. É o que desejo ao leitor, à leitora.
Presidente da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL
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