Um sonho de país
Por Mariana Moreira
No rosto ela carrega uma expressão de esperança que se mistura a rugas e marcas de tempo. No corpo traz os passos ágeis a esconder as linhas da idade. No peito ostenta uma improvisada faixa escancarando a alegria de ser também protagonista do momento. E caminha tendo como parceiros tantos outros iguais que seguem na direção do mesmo esperançar.
Uma jovem mãe traz no peito o filho bebê que, indiferente a multidão de passos e vozes, suga o leite materno que alimenta corpo e devir. Ao seu lado, como a dividir territórios de diversidade, uma mãe de santo, com seu turbante, colares e figas, traz cadência e movimento múltiplo de um país que se fez escravidão, julgo e dor, mas que ressignifica e sempre planta sementes de amanhãs em tantas e tantos que, na resistência, se fazem voz e nome traduzidos em Aqualtune, Dandara, Carolina, Zumbi.
Sons de zambumbas, atabaques, triângulos entoam cantos e refrões que agitam corpos e movimentam espaços que comprimem e, ao mesmo tempo, aproximam, irmanam e familiarizam tantos lugares, tantos sabores e cheiros, tantos olhares e desejos de vindouros tempos de gentes e vidas. E se misturam cores, sotaques, suores, risos e lágrimas num amálgama de sonhos e nação, de pessoas e cidadania, de nomes e significados políticos e culturais do ser.
No seco tronco de uma árvore improvisado de banco, por breves instantes, uma jovem descansa pés e arreia bandeiras. Estica o olhar para a imensidão de pessoas que segue o mesmo passo e trilha a mesma direção. De todos recebe o olhar fraterno, o gole de água, o grito de estímulo. Ergue-se com renovada energia e retoma o passo de tantos.
No ar uma atmosfera de amizade e familiaridade entre estrangeiros de todos os lugares do país. Estranhos que se afinam em uma barraca de pastel e se tornam próximos ao partilhar o doce da garapa da cana que, azedada em lombos de tantos negros escravizados em engenhos e senzalas, agora traça cirandas e volteios nos terreiros das casas grandes ressignificados em espaços comuns de todos.
Os símbolos do poder, tradicionalmente suspensos no patamar inatingível aos comuns, trazem novas leituras. Os signos que leem o antigo com a marca do diverso que se soma e se aglutina em todos os antes excluídos. E, como canta o poeta Chico Buarque, são “jardineiros, guardas-noturnos, casais. São passageiros. Bombeiros e babás. (…) São faxineiros. Balançam nas construções. São bilheteiras. Baleiros e garçons”.
Abraçados e enlaçados numa faixa que simboliza um país cantam e encantam no tom do Milton Nascimento, construindo um coração civil, “Sem polícia, nem a milícia, nem feitiço, cadê poder? Viva a preguiça, viva a malícia que só a gente é que sabe ter. Assim dizendo a minha utopia eu vou levando a vida. Eu viver bem melhor. Doido pra ver o meu sonho teimoso, um dia se realizar”.
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