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Mariana Moreira

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Um conto de Natal

22/12/2023 às 18h36

Coluna de Mariana Moreira

Por Mariana Moreira – O menino espicha os olhos na direção do Papai Noel que, escondido na fantasia, acolhe crianças bem nutridas e encantadas com a invenção mercantil. Aceita cartinhas e retribui promessas a serem cumpridas na noite de Natal.

E o menino espia o Papai Noel de longe. Suas gastas roupas sujas, seus pés descalços e uma rota sacola plástica com os primeiros descartáveis que recolheu no dia, na vã esperança de troca por minguadas moedas que saciarão, ou enganarão famintas barrigas por parcos minutos, não lhe credencia a entrar no ambiente e receber o acolhimento e as promessas do Bom Velhinho.

Sua presença se dilui na pressa dos clientes que, no frenético ritmo de fim de ano, aceleram passos e intenções para a compra da roupa nova para se fazer notar no Réveillon, dos presentes que, aos pés da árvore de Natal, substituirão a manjedoura e a representação do nascimento do Menino Deus e do que esse evento representou e representa para nossa dimensão humana.

E o menino desaparece entre sacolas, burburinhos, vozes, risadas.

O olhar se confunde com o ronco da barriga que, com a escassa refeição de ontem, cobra os nutrientes, cotidianamente ausentes em suas panelas e pratos.

A vigilância da loja onde o Papai Noel celebra o Natal com as crianças rosadas enxota o menino, confirmando o preconceito social de perigoso, marginal, ladrão. Nesta lógica, a sua presença, mesmo que distante, representa uma ameaça a paz e a tranquilidade necessárias para que os homens e mulheres de boa vontade festejem as festividades natalinas.

E o menino, na dureza da incompreensão e da imaturidade infantis, se afasta sem entender porque o Papai Noel real da loja não corresponde ao mesmo que, diariamente, vende sonhos e esperanças na desbotada tela da velha TV de seu mísero casebre. E retoma sua rotina de revirar latas de lixo em busca da matéria prima de sua sobrevivência. Se incorpora a outros de igual sina e, na gentileza de suas canduras, ensaiam desajeitadas canções natalinas enquanto, no alto de um poste, um desgarrado bem-te-vi enseja seu canto como a celebrar tão desditosa sorte.

Na noite de Natal em sua casa não teve ceia e presentes. Uma cesta básica recebida como gentileza de um grupo de voluntários foi meticulosamente dividida para muitos dias de regrada comida. Não teve árvore decorada, troca de presentes, abraços. O pai, recolhido em um canto, anestesiado pela aguardente, boceja palavras inaudíveis. A mãe, como a multiplicar pão e peixe, espalha pequenas colheradas de arroz e sardinha em pratos gastos.

E o menino adormece em sua manjedoura de retalhos e farrapos.

E sonha, apenas!


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

Mariana Moreira

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