Trapaças familiares no poder
Não vou tratar de nepotismo. Até deixo de lado uma piada, estilo Bolsonaro, quando, em julho de 2019, ele quis nomear o deputado Eduardo Bolsonaro embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Olha só o que ele disse: “Se eu puder dar um filé mignon para meu filho, eu dou, sim.” Prefiro focar outro ângulo das relações da família Bolsonaro com o poder: a suspeita de participação, nada republicana, de seus filhos em negócios escusos, sob investigação sigilosa de órgãos de controle e fiscalização do Estado. Tão suspeita que gerou a substituição do diretor-geral da Polícia Federal e a consequente demissão do ministro da Justiça e Segurança Pública.
Isso me faz lembrar um episódio histórico, da era Vargas. No final da Segunda Guerra, já estava desenhada a queda do Estado Novo. A vitória das forças aliadas espalhava no Ocidente persistente brisa democrática, de tal ordem que a ditadura comandada por Getúlio Vargas tinha os dias contados. Ainda assim, temia-se a esperteza do gaúcho, que dava sinais de tramar sua própria continuidade no poder. Getúlio se exibia com jeito de democrata, antecipava medidas, ou com elas concordava, como a extinção da censura, a anistia política, liberdade de organização partidária, convocação de eleições diretas para presidente da República e Assembleia Constituinte. Tudo isso, é claro, sob forte pressão interna, em sintonia com o ambiente internacional favorável.
As eleições estavam marcadas para 2 de dezembro de 1945. Os partidos políticos se estruturavam e as candidaturas já delineadas: o general Eurico Dutra, com o apoio de Getúlio, seria o candidato do PSD, a UDN lançara o brigadeiro Eduardo Gomes. Apesar desses avanços rumo à normalidade democrática, muitos desconfiavam de Vargas. Estaria preparando outro golpe de Estado? Havia sintomas e experiência não lhe faltava. Pairava enorme receio e muita intranquilidade. A campanha eleitoral decorria em sobressaltos, enquanto o ditador pousava de esfinge.
Um fato definiu o dia de sua queda.
A nomeação de seu irmão, Benjamin Vargas, para a Chefia de Polícia do Distrito Federal. Há versões divergentes.
Uma delas dá conta de ardil preparado pelo Chefe de Polícia do Distrito Federal, João Alberto. Revolucionário de 1930, ele queria ser prefeito do Rio, para servir de trampolim à pretensão de chegar à presidência da República.
Para tanto, Benjamin Vargas ocuparia seu posto na Polícia e ele assumiria a prefeitura. O plano gorou. No mesmo dia em que Vargas nomeia o irmão, 29 de outubro de 1945, o ministro da Guerra, general Gois Monteiro, pede demissão e articula a deposição do ditador. Um golpe de Estado com o sinal trocado: o Brasil saiu da ditadura para o estado de direito democrático. O presidente do STF, José Linhares, assumiu a interinidade e presidiu as eleições. Assim nasceu a Constituição de 1946. Tempo de patriotismo e grandeza!
Hoje vivemos tempo de intrigas.
E de malfeitorias no poder. A nomeação do diretor-geral da Polícia Federal, Alexandre Ramagem, da intimidade dos filhos de Bolsonaro, está impregnada de suspeição. A PF investiga negócios escusos, supostamente, envolvendo dois filhos de Jair. No passado, a nomeação de um irmão, apressou a queda do ditador Vargas e alargou o caminho da normalidade democrática. Hoje, o Supremo Tribunal Federal anula ato do capitão-presidente e o enquadra na Lei Maior. Ele que a semana passada se proclamara rei: “Eu sou, realmente, a Constituição”.
Presidente da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL
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