Traição e massacre na ditadura
Mararam seis numa ação única. O anúncio do tiroteio veio com estardalhaço. A mídia nacional escancarou a morte de seis terroristas num sítio próximo ao Recife. Ali estaria acontecendo um congresso da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organização esquerdista, responsável por sequestros de embaixadores no Brasil. Àquela altura, janeiro de 1973, ainda segundo a notícia, a VPR já estava desarticulada pelas forças da ordem. Os nomes desfilaram junto com as imagens dos corpos: duas estrangeiras – a tcheca Pauline Reichstul e a paraguaia Soledad Barret Viedma – e quatros brasileiros, Eudaldo Gomes da Silva, Jarbas Pereira Marques, Evaldo Luiz Ferreira de Souza, José Manuel da Silva.
Havia ainda a lacônica informação de que “dois terroristas conseguiram fugir”.
A mídia espalhava a notícia de acordo com o comunicado recebido dos órgãos de segurança. Aliás, a única fonte de informação de fatos ligados à segurança nacional, naquele tempo de rigorosa censura. Era esse o ritual informativo. A censura só permitia publicar a versão oficial. Fora disso, sabia-se pouco, ouvindo emissoras de rádio do exterior (BBC de Londres, Voz da América, Rádio Moscou, Rádio França Internacional), muitas vezes, graças aos boletins de notícias e análises distribuídos pela Frente Brasileira de Informação, fundada em 1969 por exilados brasileiros na Argélia, à frente Miguel Arraes.
Só nos anos de 1980, com o processo de abertura política lenta, segura e gradual, no jargão oficial, é que outras versões daquele mesmo episódio sangrento começaram a ser difundidas com base em testemunho de parentes, amigos e companheiros, estimulados a revelar o que sabiam em face do clima de liberdades democráticas. Assim, o episódio narrado no início deste artigo foi sendo esclarecido aos poucos. Já agora, em 2017, pode-se conhecer, finalmente, de forma ordenada, documentada e sistemática, todos os passos da morte daquelas seis pessoas.
Não houve tiroteio, foi um massacre.
É isso que revela o livro O massacre da Granja São Bento: a história de como um traidor e um torturador de aliaram em um dos crimes mais brutais da ditadura militar no Brasil, narrado pelo jovem Luiz Felipe Campos, jornalista, que cursa o mestrado do Programa de Pós-graduação em Antropologia da UFPE. O livro foi publicado em agosto pela Companhia Editora de Pernambuco – CEPE.
Quem é o traidor?
O traidor é José Anselmo dos Santos, um soldado da Marinha que se notabilizou como cabo Anselmo, presidente da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB) que liderou movimento de rebeldia de cabos e soldados das forças armadas, um dos pretextos visíveis para a deflagração do movimento golpista de 1964 que depôs o presidente João Goulart. Entre as pessoas então assassinadas estava a própria companheira de Anselmo, Soledad Barret. Solidad provinha de família de militantes políticos afeitos à luta clandestina contra a ditadura do general Alfredo Strossner. Eles se conheceram em Cuba, quando frequentaram curso de guerrilha, no tempo da ilusão revolucionária de Che Guevara de criar na América Latina situações como a do Vietnam.
E o torturador?
Era uma figura emblemática da repressão, o delegado paulista Sérgio Fleury, convocado para cumprir missões sujas, à margem da lei, destinadas a combater as organizações de esquerda que optaram pela luta armada. Ou mesmo cidadãos que contestavam o regime militar.
A seguir, como agiram o traidor e o torturador?
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