Saudade de pequenas coisas
Hoje amanheci com uma saudade imensa de Cajazeiras. De estar em Cajazeiras. Queria ter a magia de sair desse confinamento horroroso no Recife e, num abrir e fechar d’olhos, me sentar em baixo do pé de cajá em frente à casa de Tantino. Sentar e nada fazer. Nada pensar. Aguardar o pão de Saora, pão da memória e da saudade! Ficar no banco que o prefeito José Aldemir mandou restaurar. Restaurar não, fazer novos bancos. Os bancos originais, instalados no tempo de José Nelo Rodrigues, nosso Zerinho, feitos de cimento, já não serviam mais, corroídos pelo tempo de uso, desde a década de 1990! A gestão Zé Aldemir requalificou a praça, deixando os bancos de taliscas de madeira, mais apropriados ao pequeno logradouro, que abriga o original busto de Cristiano Cartaxo e um poema impresso em mármore.
Pode ser besteira deste cronista.
Dito assim, em jeito de devaneio, talvez seja. Uma coisa é certa. O prazer de ficar ali tem tudo a ver com o amor. O amor que a gente carrega no escondido da alma. Por isso, pouco importa o que pensem do velho sentado no banco… Só os que têm sensibilidade para pequenas coisas gozam desses prazeres. Ficar “vendo” o tempo passar e, vez em quando, trocar um dedo de prosa com um passante eventual. Alguns, nem tão eventuais, gente costumeira que circula, ora de bicicleta, ora de moto, ora de carro. Até de carroça, a cavalo e a pé. Gente que encosta. Na terra, Frassales! Nessas ocasiões tomo conhecimento de coisas miúdas da cidade, acordos políticos, intrigas, crimes, fofocas íntimas… impublicáveis!
Oh que Carrazêra boa!
O sábado é especial. Dia da feira de frutas, legumes, verduras e uma porção de coisas, vindas da redondeza. Até do Rio Grande do Norte.
De onde é essa “goma”, compadre, pergunto. De Luiz Gomes, afirma, convincente, o vendedor de massa de tapioca em blocos. Compro e trago para o Recife, me libertando durante semanas do produto industrializado, adquirido em supermercado. Não me liberto, porém, da história.
De Luiz Gomes também veio, no século XIX, o advogado Bonifácio Gonçalves de Moura, pai de dom Zacarias e avô de Helder Moura, meu confrade na ACAL. O queijo de coalho sei de onde vem. Conheço o freguês. Ele pode até não saber quem eu sou, mas sempre compro a ele. E nunca me arrependi. A qualidade é a mesma de inverno a verão. Nunca esqueço do filé, na tarimba de Lacerdinha, meu eleitor em 1982! Trago também “novidades”. Pequi é uma delas. Que saudade de pequi! Ainda vem do Cariri? Assim era no meu tempo de menino.
A feira do sábado na Praça Coronel Matos é, ainda e sobretudo, um lugar de encontro. Você esbarra num monte de gente amiga. Para quem mora a 600 km de Cajazeiras, e só pode ir duas a três vezes ao ano, é uma festa. Festa igual só mesmo ir ao balde do Açude Grande. Caminhar bem cedo e no fim da tarde. Ou simplesmente sentar na mureta e ficar bestando de olhos postos nos caminhantes ou de costa para eles no rumo do poente, curtindo o pôr do sol. De olho esperto para enxergar melhor o serrote do Quati, sob raios que alumiam o ruminar de um animal feito eu que, em frações de segundos, viaja por misteriosas veredas da alma. E desenterra lembranças de episódios, pessoas vivas e mortas, tudo de mistura com uma saudade da peste e uma ânsia de viver para recordar. E para contar, na imitação de Gabriel Garcia Márquez.
Quando eu ficar velho, perto da demência senil, talvez faça isso. Sem censura.
Presidente da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL
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